Recentemente o empresário milionário de Miami (Flórida, EUA), Martin Mobarak, alegou ter queimado, numa taça de martini com combustível, a obra “Fantasmas Sinistros”, da renomada pintora mexicana Frida Kahlo, avaliada em 10 milhões de dólares, como parte de um lançamento de 10 mil cópias NFT exclusivas.
Tendo surgido há poucos anos (2014), a adesão aos NFT tem aumentado de forma exponencial, pois permitem a muito mais pessoas colecionar obras de arte e permitem que um público mais jovem, ligado ao mundo digital, entre neste mercado. Um NFT serve para garantir que determinado item é original, pelo que ao comprar-se algo com NFT há a garantia de que a chave digital é única, garantindo a autenticidade do produto.
A destruição do pequeno e colorido desenho de Kahlo, pretendia promover a venda de versões digitais desta obra, considerada um tesouro nacional no México.
O empresário referiu que esperava que as pessoas pudessem entender e ver o lado positivo, pois a venda dos NFT permitiria beneficiar o Palácio de Belas Artes do México, o Museu Frida Kahlo de Coyoacán e várias instituições de caridade dedicadas ao atendimento médico para crianças.
No entanto, o Instituto Nacional de Belas Artes do México anunciou que está a abrir uma investigação sobre a destruição do desenho, pois no México a destruição deliberada de um monumento artístico constitui um crime nos termos da lei federal sobre monumentos e zonas arqueológicas, artísticas e históricas.
Mais recentemente, o Prémio EDP Novos Artistas 2022 foi atribuído a Adriana Proganó com a obra “Little Brats” (“crianças malcomportadas” ou “pestinhas”), em que as figuras fogem das pinturas e ocupam um espaço no museu. Segundo palavras da própria artista “Comecei a imaginar estas figuras que saíam e se instalavam no espaço, e acabam por fazer estas asneiras, a destruir o museu, sendo elas em si parte do museu”.
Mas a destruição efetiva de obras de arte já tem acontecido em diversas situações e por diversos motivos.
Nomeadamente, em Portugal, é conhecido o episódio da queima dos próprios quadros pelo pintor Mário Silva, no Verão de 1988, em protesto contra a política fiscal da altura, em particular contra os impostos que teria que pagar pela venda dos quadros. Embora, afinal, apenas tenha queimado fotocópias dos seus quadros, foi notícia nos media da altura, conseguindo chamar a atenção da opinião pública para os elevados impostos existentes em Portugal.
Um outro episódio muito mediatizado de destruição de uma obra de arte ocorreu em 2018, quando uma pintura de Banksy se “autodestruiu” depois de ser vendida por 1,04 milhões de libras (cerca de 1,18 milhões de euros) na leiloeira londrina Sotheby’s. O próprio autor divulgou uma fotografia na sua conta do Instagram no momento em que o quadro “Girl with balloon” (“Rapariga com balão”) se desfaz em tiras ao passar por uma trituradora de papel instalada na parte inferior do quadro. Originalmente, esta imagem havia sido pintada num muro em Londres, tendo sido votada pelos britânicos em 2017 como a obra preferida no Reino Unido. Considera-se que a destruição desta obra só terá aumentado a sua cotação no mercado de arte.
Banksy é um dos artistas mais conceituados da atualidade, embora continue a permanecer no anonimato, produzindo mensagens visuais que abordam questões da atualidade, sobretudo de crítica política e social, com um forte viés revolucionário e de anti guerra. Uma das frases de que é autor é a seguinte: “Os maiores crimes do mundo não são cometidos por pessoas que violam as regras, mas por pessoas que seguem as regras. São as pessoas que seguem ordens que soltam bombas e massacram aldeias.”
E esta frase revela-se duma enorme atualidade sobretudo devido à Guerra na Ucrânia. Aliás, logo nos primeiros dias desta guerra foi divulgada a destruição do Museu Ivankiv, situado na região metropolitana de Kiev, tendo sido destruídas 25 obras de uma das principais artistas ucranianas, Maria Prymachenko. Entretanto, os bombardeamentos russos já destruíram, total ou parcialmente, outros locais de elevada importância cultural, como o Museu de Arte em Kharkiv, com mais de 25.000 obras de arte.
Já na segunda guerra mundial, entre 1939 e 1945, havia sido imensa a destruição de obras de arte. Ainda jovem, Hitler havia tentado ser um pintor reconhecido, mas foi rejeitado na Academia de Belas-Artes de Viena, em 1907. Trinta anos depois, já como líder da Alemanha Nazista, ordenou a maior ação contra a arte, anunciando a exposição “Arte Degenerada”, em que incluiu artistas como Picasso, Braque, Matisse, Grosz e Ernst, numa ofensiva contra pinturas, esculturas, livros, gravuras e desenhos considerados “impuros”, pois não se enquadravam no ideal de beleza clássico e naturalista.
Esta situação levou à criação do “Escudo Azul”, na Convenção de Haia, em 1954, procurando a proteção de bens culturais, incluindo obras de arte, em situações de guerra, sendo considerada a sua destruição crimes de guerra.
Mas, seja em situação de guerra, seja por interesses comerciais, consideramos que é essencial preservar as obras de arte, uma das principais marcas identitárias e culturais na sociedade em que vivemos.
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes