A aposta da região do Algarve Central no anunciado metrobus, ligando os concelhos de Olhão, Faro e Loulé, não traz uma resposta cabal aos problemas da região. Trata-se de um penso rápido que não vai melhorar a região a longo-prazo e vai, isso sim, representar uma oportunidade perdida de investimento na solução indicada para a região, a ferrovia.
Primeiro, é importante ter em conta que um metrobus consiste, de forma simplificada, num serviço de autocarro que adota três características de um sistema de metro: funciona em via dedicada, e por isso não fica preso no trânsito; a sua passagem é privilegiada em cruzamentos, através, por exemplo, de semáforos inteligentes que reconhecem a aproximação dos autocarros; a compra e validação de bilhetes acontecem fora do autocarro, encurtando em muito o tempo de paragem do veículo. Os sistemas metrobus ficaram famosos na América Latina nas últimas décadas do século XX e foram, posteriormente, adotados na Europa por garantirem um bom serviço por uma fração do investimento em sistemas de metro.
Para melhorar a mobilidade da região é preciso um pensamento sistémico, investimento estruturado e a responsabilidade de procurar ganhos graduais, não a promessa de uma alvorada com uma solução rápida e avulsa
Contudo, é preciso ter em conta o tipo de deslocações apropriadas para este serviço. Em todos os bons casos internacionais, o metrobus é utilizado em percursos pequenos ou médios, em contextos urbanos ou metropolitanos, onde a necessidade de paragem constante é superior à necessidade de percorrer grandes distâncias – o que não é o caso no Algarve. Sem querer entrar em questões técnicas das soluções, convido o leitor a ver os dados disponíveis na brtdata.org, que nos mostram que, dos 430 sistemas metrobus levantados a nível internacional, o seu comprimento total não ultrapassa, em média, os 14 km, e que apenas em 14 casos a sua extensão é superior a 35 km (constituindo exceções em termos operacionais). O metrobus proposto para o Algarve será, por isso, um caso único, com 38 km de comprimento e sendo ainda apontada a sua extensão para Albufeira e Tavira.
Outro facto inédito a que se assistirá no Algarve será a construção do metrobus praticamente em paralelo a uma linha de comboio existente, no troço entre Faro e Olhão (e, no futuro, Tavira), linha essa que está atualmente subaproveitada. É preciso realçar a importância deste troço de ferrovia, uma vez que consiste numa exceção digna de nota da generalidade dos problemas da ferrovia no Algarve. Não só esta linha é mais direta do que na generalidade do Algarve (resultando em tempos de viagem mais rápidos), como a localização das estações é central em Faro, Olhão e Tavira – uma raridade no Algarve.
Por exemplo, para uma pessoa que more no centro de Olhão e trabalhe no centro de Faro, atualmente já é mais rápido fazer a viagem de comboio do que de carro. Aliás, as estações de Faro e Olhão eram, em 2012, as que apresentavam maior movimento de passageiros (2.050 e 1.400 respetivamente), e as únicas no território do “Algarve Central” com volumes superiores a 1.000 passageiros/dia. Estes números apenas têm descido nos últimos anos por um sucessivo e irresponsável virar de costas a este serviço, bem sentido por todas as pessoas que o utilizam. Agora, ao invés de investir nele, vai-se construir um metrobus ao lado, qual paliativo.
Mas os argumentos a favor da ferrovia não ficam por aqui. Para além das características já existentes no terreno, devemos olhar para aquilo que pode ser facilmente melhorado. A linha de comboio atual, na zona do Patacão, em Faro, passa a uns meros 1.200 metros da Universidade do Algarve. Isto significa que a construção de uma estação nesta zona (já contemplada na proposta do metrobus), e a colocação de um bom serviço adicional de autocarro (podemos até chamar-lhe “metrobus”) daqui para a Universidade, contribuiria para ganhos muito significativos na rede de transporte público da região. Este percurso poderia ser estendido até ao Aeroporto e ainda assim teria cerca de 4 km – um décimo de todo o metrobus agora proposto.
Enquanto o metrobus apresentado pela região consiste num fato à medida de deslocações entre três concelhos (ex. deslocações de Loulé para a Universidade do Algarve), apostar na ferrovia como eixo do transporte público não só responde – melhor – às necessidades destes concelhos, como a toda a região. Nesta solução que apresento, por exemplo, seria muito mais fácil ir de transporte público desde Portimão ou Vila Real de Santo António até ao Aeroporto. Não se deve esquecer que o Aeroporto, assim como a Universidade do Algarve, pertencem à região e não apenas a um conjunto restrito de municípios do Algarve Central.
A melhoria do transporte da região só é possível através de melhorias na linha do Algarve como eixo central da região (muitas delas já previstas em documentos como o Plano Regional de Ordenamento do Território e o Estudo de Mobilidade Intermunicipal do Algarve Central), passando pela melhoria do traçado da linha entre Faro e Tunes (incluindo um novo ramal para Loulé), a substituição das carruagens existentes com mais de 60 anos, o aumento de oferta de serviço de comboio e a continuidade de serviço em Faro (contando que a eletrificação da linha entre Faro e Vila Real de Santo António vai estar finalizada em finais deste ano, como anunciado).
É penoso ver, uma e outra vez, não se cumprirem os planos e serem apresentadas soluções baratas e insuficientes para o Algarve. Para melhorar a mobilidade da região é preciso um pensamento sistémico, investimento estruturado e a responsabilidade de procurar ganhos graduais, não a promessa de uma alvorada com uma solução rápida e avulsa.
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