Nasceu numa pequena aldeia de Barcelos e morreu com fama de santidade em Espanha. Mas não se sabe ao certo onde foi sepultado, nem onde se encontram os seus restos mortais.
D. Paio Peres Correia foi Grão-Mestre da Ordem Militar de Santiago da Espada e esteve na conquista da grande maioria das praças algarvias na posse dos muçulmanos. Antes de se fixar em Castela, participou, já como comendador de Alcácer, na campanha do Alentejo, designadamente, na tomada de Aljustrel e Beja, tendo descido posteriormente com D. Sancho II para conquistar Mértola, Alcoutim, Vaqueiros, Castro Marim e Ayamonte. Cacela, que havia sido tomada na mesma altura, viria a ser recuperada pelos mouros que a perderam, definitivamente, pouco depois, para a coroa portuguesa.
Instalando-se como fronteiro mor na Andaluzia, seria a partir dali que o freire guerreiro viria a organizar, posteriormente, as incursões de combate aos mouros no restante território do Algarve. Porque, alegava ele, “como nele metesse pé, tudo o mais lhe seria menos dificultoso” nos objetivos de afastar os muçulmanos do sul da península.
Para tanto serviu-se de um informador cristão, um tal Gracia Roíz – ou Garcia Rodrigues – que negociava ou ”tratava neste Algarve com os mouros e os cristãos suas mercadorias” e que conhecia o terreno como as palmas das suas mãos. O negociante “lhe deu logo bom conselho e ardil” com instruções onde melhor se devia fazer o assalto. Assim partiram de Aljustrel em direção a Torre de Estômbar e não encontrando grande resistência foi logo tomada. Dias depois, seguiu-se a vila de Alvor.
Segundo o investigador algarvio Ofir Chagas, na sua obra “Algarve e Andaluzia no Itinerário de D. Paio Peres Correia”, as primeiras conquistas puseram os mouros em sobressalto e levaram-nos a negociar com o Mestre a troca daquelas duas praças por Cacela, junto ao Guadiana. D. Paio Peres Correia aceitou o acordo por considerar Cacela “lugar forte sobre o mar e naquele tempo bem cercada, pelo que logo se mudou para ela e lhe deixou livres os outros lugares”. Tratava-se de uma antiga praça mourisca e oferecia uma posição estratégica favorável ao grande objetivo militar e religioso da cavalaria de Santiago que visava a expulsão e domínio territorial dos muçulmanos. E foi ali que estabeleceu o seu quartel general.
Depois de algumas escaramuças sem grandes resultados práticos, entrou-se numa fase de impasse acordado tacitamente por ambos os contendores. Até que um dia, ao que parece contra a opinião de D. Paio, um grupo de guerreiros cristãos decidiu empreender uma caçada para os lados do lugar das Antas, passando Tavira, zona de influência árabe. Para tanto – conta Ofir, citando o cronista Rui de Pina -, com alguma arrogância atravessaram a ponte entrando no coração da vila. Uma provocação que não ficou sem resposta:
“Os mouros vendo-os passar por suas portas, a cavalo, tão seguros e parecendo-lhe como gente apoucada que o faziam em seu desprezo, receberam grande dor”, e partiram depois em perseguição dos seis cavaleiros cristãos. A eles haveria de juntar-se o mercador amigo Garcia Rodrigues, “o qual ia de Faro para Tavira com suas mercancias e vendo o ajuntamento e reboliço dos mouros” se reuniu aos seus e combateu a seu lado. Foi uma chacina. Morreram todos.
Avisado do massacre e depois de ter verificado com os seus olhos onde tombaram os seus homens, D. Paio Peres Correia, decidiu avançar sobre Tavira: “E com grande ímpeto de ira deu logo sobre muitos mouros e a outros que fugiram foi seguindo ao alcance (…) até chegar à vila, cujas portas acharam fechadas pelos que dentro ficaram e somente lhes abriram um postigo sobre que se deu o Mestre com eles (…) e se apoderou da vila”. Por esse tempo “era senhor dela um mouro por nome Abenfalila, do qual não se soube se morrera ou se fugiu”.
Afirma Rui de Pina que a conquista desta importante praça algarvia se deu a 11 de junho de 1241. Contudo, Ofir Chagas, confrontando documentos diversos e seguindo o percurso do freire espatário, defende a tese de que a tomada de Tavira terá ocorrido em 1239. Foi por essa altura, de acordo com António Castro Henriques, no seu livro “Conquista do Algarve”, que terão sido tomadas também as praças de Albufeira e Paderne (1240), esta após algumas tentativas fracassadas.
Nos anos subsequentes, e depois de ter pacificado a zona mais próxima da fronteira com a Andaluzia, D. Paio colocou-se ao serviço do rei de Castela onde terá permanecido de 1241 até 1248. Em dezembro de 1242 foi investido na qualidade de 17º Grão-Mestre da Cavalaria de Santiago.
A sua coragem e bravura no campo de batalha e a capacidade de liderança demonstrada em diversos teatros de guerra foram decisivas e tornaram-no um dos principais obreiros da vitória dos cristãos nas campanhas de Múrcia e de Jaen, sendo esta uma praça de grande importância estratégica pela sua ligação e confluência entre Castela e Granada.
Estava aberto o caminho para a tomada de Sevilha. Mas a conquista deste importante centro urbano e militar cercado por fortes muralhas, haveria de revelar-se uma tarefa muito mais difícil, exigindo uma maior mobilização de tropas e combates encarniçados que se prolongaram por dezasseis meses. E só em novembro de 1248 se deu a rendição sem condições da cidade andaluza. Cerca de 100 mil muçulmanos foram deixados partir e a 22 de dezembro, o rei D. Fernando III fez a sua entrada triunfal em Sevilha, com D. Paio Peres Correia a seu lado.
Terminadas as campanhas na Andaluzia, o Mestre regressa ao Algarve para ajudar o rei português a eliminar as cidades e algumas bolsas de resistência que ainda existiam na posse dos árabes. A conquista definitiva de Aljezur, Loulé e Faro em 1249, foram as últimas batalhas onde ele ou as suas tropas terão participado, sendo que nesta última se tratou de uma rendição negociada entre o alcaide muçulmano e D. Afonso III.
As datas referentes à conquista de algumas praças algarvias variam conforme as fontes e estão longe de reunirem o consenso entre os historiadores, sendo difícil dizer, por exemplo, em que ano se verificou a capitulação final de Silves. Contudo, para Ofir Chagas, a tomada de Paderne e Silves, como Estômbar, Alvor e Salir “devem ter sido submetidas entre 1241 e 1249”, provavelmente com a participação de cavaleiros santiaguistas mas sem a presença do seu líder que, entretanto, nesse período de tempo se encontrava ao serviço do rei Fernando III, nas campanhas da Andaluzia.
Apesar da conquista do Algarve, a sua integração no reino de Portugal não foi, porém, um caso pacífico e demorou tempo a ser resolvido, tendo em conta que também era disputado por Castela que o não reconhecia como território português. Alguns historiadores avançam que, a este conflito diplomático entre os dois reinos peninsulares, não deverá ter estado alheio D.Paio Peres Correia, desiludido e considerando-se indevidamente recompensado por D. Afonso III. O problema só foi definitivamente ultrapassado no Tratado de Badajoz, de 16 de fevereiro de 1267. Por este tratado, o Algarve passou a ser reconhecido por Castela como território português, tendo ficado assente que seria o Guadiana, desde a confluência do Caia até à foz, a fronteira entre ambos os países.
D. Paio Peres Correia retirou-se então definitivamente para Espanha. Morre em 1275, aos 70 anos, em Ucles ou na comenda santiaguista de Montalban, em Aragão, conforme os autores, tendo os funerais sido celebrados no mosteiro de Ucles. Fontes em Espanha garantem que o Grão Mestre foi sepultado na igreja do hospital em Telavera de la Reina e que, por ordem dos reis católicos, os seus restos mortais foram levados para o mosteiro de Tendudia, em Calera de Leon, que foi a maior comenda da Ordem Militar do grande conquistador.
Subsiste, todavia, a tese de que na igreja de Santa Maria de Tavira, onde estão sepultados os sete cavaleiros mártires, se encontram também os restos mortais de D. Paio Peres Correia.
Na vida como na morte, foi admirado e disputado como grande combatente e conquistador em nome da liberdade cristã, pelo poder dos dois países vizinhos. E Camões lembra-o assim:
“Olha um Mestre que desce de Castela,/Português de nação, como conquista/A terra dos Algarves, e já nela/ Não acha quem por armas lhe resista./Com manha, esforço e com benigna estrela,/Vilas, castelos, toma, e escala vista,/Vês Tavila tomada aos moradores,/Em vingança dos sete caçadores?” (in Os Lusíadas, canto VIII)
Fontes e citações: “Algarve e Andaluzia no Itinerário de D. Paio Peres Correia”, Ofir Chagas; “Crónica de D. Afonso III”, Rui de Pina; “Conquistas do Algarve”, Antº Castro Henriques; outras.