A pandemia de covid-19 provocou a recessão económica “mais curta e violenta de que há memória” em Portugal, mas particularmente no Algarve, resultado de “um choque externo que afetou a economia global, as reações dos agentes económicos à emergência sanitária e as disrupções impostas à atividade económica”.
O país viveu, de forma abrupta, violenta e curta, a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, em termos reais, de que há registo: 19,2%, indicou o Comité de Datação dos Ciclos Económicos Portugueses (CDCEP).
A pandemia provocou a queda da nossa economia em apenas dois trimestres — os dois primeiros de 2020 —, seguindo-se sinais de recuperação no terceiro trimestre desse ano.
Em traços globais, este é o retrato mais recente segundo o CDCEP — um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos que reúne vários economistas portugueses e “visa definir os momentos de recessão da economia portuguesa, criando uma cronologia de referência para as crises”.
Por outro lado, na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento do Estado, o ministro das Finanças disse esperar que 2022 seja um “ano turístico robusto” com base nos dados já conhecidos do primeiro trimestre.
Estes primeiros dois meses da guerra na Ucrânia trouxeram ao Mundo o novo paradigma, cujas consequências económicas já se fazem sentir da pior forma. Numa altura em que particularmente a região algarvia dá fortes sinais de recuperação económica, a população em geral sofre com uma crescente inflação e subidas diárias generalizados em quase tosos os produtos e serviços.
Perante o atual cenário de incertezas, o POSTAL falou com algumas personalidades ligados a principal atividade económica do Algarve, o Turismo, respetivamente, Hélder Martins, presidente da AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, o presidente da Região de Turismo do Algarve, João Fernandes, a diretora de Recursos Humanos e Marketing do Zoomarine, Isabel Delgado, e igualmente com António Miguel Pina, na qualidade de presidente da AMAL, reprentante dos 16 municípios do Algarve.
“O verão será bom, em termos de movimento de turistas”
Para Hélder Martins, presidente da AHETA, para já, as grandes expectativas que estavam criadas relativas ao período da Páscoa “cumpriram-se e até superaram o que tínhamos previsto.
O Algarve encheu-se de vida, de animação e até o clima nos decidiu brindar com condições climatéricas fantásticas”. Hélder Martins está confiante e confessa ao POSTAL que “depois de períodos tão difíceis foi bom este retomar de atividade que deixa antever, segundo dados que dispomos, de que o verão será bom, em termos de movimento de turistas”.
“Os empregadores e o Estado têm de procurar formas de oferecer contratos anuais”
É comum ouvir-se que “faltam pessoas para trabalhar nos hotéis e restaurantes do Algarve”, mas ao mesmo tempo em que há muita oferta de emprego, há muitos desempregados. As causas parecem ser o elevado custo de vida na região e as condições de trabalho no setor.
António Miguel Pina, presidente da AMAL, relembra que “os numeros de desemprego no Algarve têm uma componente sazonal, que acompanham a actividade turística” e, além disso, defende que “os empregadores têm também que elevar os níveis remuneratórios e com o Estado procurar formas de ter contratos anuais. Ao POSTAL admite que “a falta de habitações com valores inferiores a 33% do esforço no âmbito do orçamento familiar é um constragimento para receber mais oferta de mão-de-obra em todos os sectores turísticos e não só”.
“O que está a ser feito e o que vai ser feito, na promoção turística”
Sobre o futuro turístico do Algarve, o presidente da Região de Turismo do Algarve, João Fernandes, diz ao POSTAL o que está a ser feito e o que vai ser feito, na promoção turística para atrair mais visitantes. João Fernandes diz que “o Turismo do Algarve continua a apostar numa estratégia de diversificação de mercados internacionais e na promoção da região enquanto destino com uma oferta abrangente, capaz de dar resposta a diferentes tipos de motivação durante todo o ano e em todo o território. Nas várias ações que promovemos e em que participamos, temos procurado enfatizar alguns dos principais argumentos que, neste momento, tornam o destino ainda mais apelativo junto de quem está a retomar o hábito de viajar, nomeadamente a segurança, o contacto com a natureza e com paisagens de grande beleza, o bom tempo e a diversidade de experiências que a região oferece, especialmente no que diz respeito a viagens em família e a propostas ligadas ao turismo de natureza e ao turismo ativo”.
A título de exemplo, João Fernandes salienta a campanha digital “It’s easier now, Book today”. O presidente do Turismo do Algarve explica que este recente lançamento “reforça a ideia de que os turistas podem voltar a viajar para o Algarve, de forma fácil e confortável, e que mostra que o destino está pronto para receber os seus visitantes com tranquilidade e com a qualidade e diversidade de experiências a que já os habituou”. Esta ação está a decorrer nas principais redes sociais, estando disponível em cinco idiomas, e tem como objetivos “aumentar a notoriedade do destino e a captação de reservas junto de dez mercados estratégicos para o Algarve, nomeadamente a Alemanha, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Noruega, França, Holanda, Itália, Reino Unido e Suíça”.
De forma a potenciar esta facilidade de viajar que agora foi recuperada, João Fernandes salienta que o Turismo do Algarve continua também “a investir na captação de novas rotas aéreas para o destino e na realização de campanhas de marketing conjuntas com operadores turísticos e companhias aéreas estrategicamente selecionados. Para além dos mercados europeus, estamos já a trabalhar, através deste tipo de ações, formas de alcançar mercados mais distantes como o Brasil, os EUA e o Canadá”.
Ainda no âmbito do trabalho conjunto com agentes turísticos, o Turismo do Algarve está também a retomar “os nossos Online Travel Training courses, lançados, pela primeira vez, em 2020, durante o confinamento e que se revelaram um enorme sucesso. Trata-se de um conjunto de formações online gratuitas sobre a oferta do destino, direcionadas a todos os profissionais do setor do turismo que queiram aumentar ou atualizar os seus conhecimentos sobre a região. Através destes cursos, pretendemos dar a conhecer uma perspetiva completa e detalhada sobre a diversidade da oferta que o Algarve tem para oferecer aos seus visitantes, ao longo de todo o ano. Neste momento, estão já disponíveis formações desenhadas especificamente para os mercados do Reino Unido e dos EUA, estando também prevista, para breve, uma versão para o mercado francês”.
A presença em feiras de turismo continua a ser outra importante ferramenta para dar a conhecer o destino e atrair mais visitantes. A este nível, João Fernandes refere que para além dos eventos que “são já uma referência no setor, o Turismo do Algarve tem apostado também na participação em feiras direcionadas para determinados nichos identificados como relevantes. Exemplo disso foi a recente presença no Loop Leisure Spring, no Loop MICE Spring e no Private Luxury Europe, feiras dedicadas ao turismo de luxo na vertente de lazer e de eventos profissionais. Este tipo de turismo diferenciador, baseado em experiências autênticas e surpreendentes, é um pilar chave para o desenvolvimento de um turismo mais sustentável, que ambicionamos para a região”.
“Mantemos, igualmente, uma linha de trabalho de grande proximidade com a imprensa internacional, junto da qual procuramos mostrar o que de melhor a região tem para oferecer a quem a visita. Desde o início do ano, já recebemos mais de 30 press trips no Algarve, com programas distintos que nos ajudam a promover a tal diversidade de experiências e de motivações a que conseguimos dar resposta e a mostrar aquilo que faz do Algarve um destino único, premiado e reconhecido internacionalmente”, salienta o presidente do Turismo do Algarve que acrescenta que “no mercado interno alargado (Portugal e Espanha), o Algarve esteve presente com um stand de destino na Bolsa de Turismo de Lisboa, a maior feira de turismo do país, que há dois anos não se realizava devido à pandemia de Covid-19. O certame foi um enorme sucesso promocional e o feedback do s turístico foi muito positivo, com 88% dos visitantes profissionais a considerarem que a BTL vai permitir acelerar a recuperação económica do setor. A grande afluência de visitantes, na ordem das 45 mil pessoas, mostra que o país pode contar com o Turismo neste momento de retoma da atividade económica, tendo 78% dos visitantes efetuado compras nesta edição da feira, segundo dados da organização”.
Anteriormente, o destino tinha igualmente marcado presença na FITUR, a Feira Internacional de Turismo de Madrid, promovendo a sua oferta turística e desafiando o viajante espanhol a descobrir a autenticidade do sul de Portugal.
Mais recentemente, o Turismo do Algarve participou ainda num roadshow do setor das viagens e turismo dirigido ao mercado interno, que passou por Lisboa, Porto e Coimbra. João Fernandes explica que “as três cidades receberam 38 expositores que mostraram as novidades a perto de 400 agentes, tendo sido realizados quase 4000 contactos ou reuniões, o que foi visto pela organização e participantes como claro sinal de retoma do setor”.
Proximamente estão ainda planeadas ações de promoção de turismo cultural, criativo e enogastronómico em Espanha, visitas de familiarização com o destino de jornalistas e operadores turísticos de Portugal e Espanha e a realização de nova edição do “Algarve + Sustentável”, o maior evento de turismo de natureza do destino.
O POSTAL colocou algumas questões de relevo, no que respeita à evolução da principal atividade económica do Algarve.
P – Com o levantar generalizado de restrições às viagens e um mercado ansioso por voltar às deslocações de lazer, já se pode falar numa “forte e consolidada” recuperação turística em relação à pandemia de covid-19?
António Miguel Pina – Se não existir nenhum outro contratempo e se a guerra na Ucrânia tiver uma solução nos próximos meses, acredito que sim.
Hélder Martins – Não será ainda o ideal, mas a motivação de todas as pessoas envolvidas na atividade turística e o facto de os turistas fiéis ao destino Algarve voltarem à nossa região, deixam-nos ainda mais motivados e a acreditar que o turismo será decerto das primeiras atividades económicas a sair da crise.
Isabel Delgado – Os últimos dois anos representaram um mar de enormes desafios, com constantes ondas de incerteza generalizada e um recuo fortíssimo nas atividades associadas ao turismo e lazer. É comum dizermos que não temos a vertente de planeamento a longo prazo tão desenvolvida quanto outros povos a terão, mas também não estávamos à espera de viver uma realidade em que os cenários construídos não duram mais de uma semana, ou uma quinzena. Tudo o que vínhamos a construir nos últimos anos, toda a recuperação e investimento nas indústrias de animação e lazer assenta na procura associada às atividades turísticas. Havendo retração turística, naturalmente empresas como o Zoomarine, mesmo muito consolidadas, com uma marca muito forte, tiveram de saber adaptar-se e ajustar as velas para poder continuar a navegar, ainda que se trate de uma navegação à vista. Como resultado direto dessa retração o grande projeto de expansão do parque foi colocado em pausa. Mas, sabemos por experiência de outras crises que em tempos difíceis o esforço tem de ser redobrado e nesse sentido o Zoomarine não abandonou a estratégia de contínuo crescimento. Continuou a investir, a inovar e a apostar numa estratégia de diferenciação da oferta, até porque assim nos exige a elevada expectativa do mercado de entretenimento educativo, esta Páscoa acabámos de inaugurar o primeiro borboletário do Algarve, um jardim tropical onde é possível testemunhar o fascinante ciclo de vida das borboletas numa experiência rica em conteúdo educativo que alerta para a importância dos insetos, e a conservação das espécies.
É este sentimento de nunca baixarmos os braços que contribui para a recuperação da economia nacional e regional, e que nos dá motivação diária para sermos um instrumento de sensibilização para a promoção do conhecimento, da preservação e educação ambientais, e conseguir fazê-lo de uma forma divertida e apaixonada ao ponto de sermos reconhecidos por tantas pessoas como o melhor parque temático do país e um dos melhores da Europa.
A Páscoa que agora terminou trouxe ao Algarve um registo bastante mais positivo do que as expectativas deixavam antever, começamos a sentir uma forte tendência de recuperação da confiança dos turistas internos e externos, e se não houver mais surpresas que afectem a saúde ou o bolso dos turistas perspectivasse um verão memorável.
João Fernandes – É certo que a recuperação turística já começou com a primeira época alta do golfe (de março a maio) e a Páscoa foi mesmo um período de elevada ocupação no Algarve, com a presença de muitos turistas portugueses e estrangeiros, nomeadamente espanhóis e britânicos. As férias escolares, conjugadas com o bom tempo que se fez sentir, convidaram a uma escapadinha à região e não só os restaurantes e hotéis, mas também as praias e as áreas naturais tiveram grande afluência. Sentiu-se a procura de atividades como passeios de observação de golfinhos e a oferta de eventos culturais e desportivos ajudou a reter os visitantes. E embora as ligações aéreas para o destino ainda não tenham sido repostas na totalidade da oferta pré-pandemia, o movimento no Aeroporto de Faro foi intenso neste período.
A expectativa é de que os turistas nacionais aproveitem o fim de semana prolongado que aí se avizinha, com o feriado do 25 de abril na segunda-feira, e que coincide com a realização na região de um grande evento internacional de características únicas, que atrai entusiastas de todo o mundo, como é o caso do Grande Prémio de Portugal de MotoGP, que decorre de 22 a 24 de abril, em Portimão. O impacto mediático do motociclismo é enorme e, além das 50 a 60 mil pessoas que são esperados nas bancadas do Autódromo Internacional do Algarve, a previsão da organização na última edição era chegar a 428 milhões de lares através da televisão.
P – Apesar do delicado contexto internacional, o Algarve pode ter mais turismo devido à guerra?
António Miguel Pina – Não sei se esse efeito terá assim tanta expressão, eventualmente pelo efeito do destino da Turquia estar mais próximo do cenário de guerra.
Hélder Martins – Não será bom que possamos ter mais turistas à custa das desgraças da humanidade, mas é uma verdade que o conceito de destino seguro é muito importante quando se viaja. Assim, a distância a que nos encontramos do teatro de operações de guerra tornará o Algarve mais preferível, na ótica da escolha do destino de férias, do que destinos que se encontram mais próximos. Mas quero acreditar que o motivo de termos mais turistas em 2021 terá essencialmente a ver com o levantar das restrições em relação à pandemia, relacionado com a diminuição do impacto da covid-19.
Isabel Delgado – Num curto prazo poderá haver algum desvio de turistas do sul da Europa para Portugal e Espanha, mas se os preços continuarem a escalar e o poder de compra continuar a diminuir, essa vantagem pode facilmente não ter qualquer expressão – O consumidor português é muito sensível ao aumento generalizado de preços porque já de si conta com um orçamento familiar muito limitado, por esse motivo as férias são marcadas com menor antecedência. Já o turista britânico e do norte de Europa poderá repensar o Algarve como uma aposta válida para férias seguras em 2022, mas também é sensível aos preços e, como todos compreendemos o turismo e o lazer infelizmente ainda não fazem parte das necessidades básicas do homem moderno, como tal, por muita vontade que tenhamos todos de voltar a ter o prazer de viajar e ser felizes, essa vontade pode ficar mais uma vez adiada no atual contexto económico de incerteza quanto ao futuro.
Por outra perspetiva, não deixa de ser uma oportunidade a explorar e valer muito a pena apostar forte na promoção externa do Algarve como destino seguro, no Zoomarine reservamos uma boa percentagem do nosso orçamento de marketing para a promoção nos mercados externos. Queremos que quem nos honra com a sua visita, saiba ao que vem e que, mesmo assim, sinta que foram ultrapassadas as suas expectativas iniciais, só assim faz sentido viver o turismo.
João Fernandes – Apesar da retoma do turismo em curso e dos excelentes indicadores de reservas para os períodos futuros, atravessamos um período de incerteza devido à guerra no Leste da Europa, cujos efeitos no setor ao nível da procura não conseguimos ainda estimar, mas que ao nível da subida de custos dos fatores de produção são já significativos. De igual modo, é difícil antecipar o alcance da subida dos preços dos combustíveis na operação aérea e o impacto da inflação nos preços da oferta turística, nomeadamente nas viagens e no alojamento, ou mesmo o impacto da crise económica no poder de compra e no consumo de viagens nos turistas dos nossos mercados emissores.
Certo é que uma guerra tem sempre efeitos na economia e que o mercado poderá diminuir, embora o setor tenha a esperança de que o conflito na Ucrânia não seja tão impactante no turismo português como poderá ser noutros destinos concorrentes, que estão mais próximos da zona de guerra.
Por isso, e em resposta à questão, não acreditamos que uma guerra possa dar mais turismo a nenhum destino, até porque esta é conhecida como “a Indústria da Paz”.
P – Como funcionam os “vasos comunicantes” entre os dois lados da bacia do Mediterrâneo? O que esperar para este ano?
António Miguel Pina – Há uma clara ligação, pois são destinos concorrentes, se bem que o Algarve e os seus empresários têm apostado numa oferta mais diferenciada e menos dependente do preço. O nosso desafio deve ser sermos concorrentes com o sul de França, o litoral e as ilhas italianas.
Hélder Martins – Espero que o Algarve continue a apostar em dar, cada vez mais, qualidade ao produto turístico para que, na ótica de quem viaja sinta todas as vantagens que tem em escolher este paraíso à beira mar plantado. O facto de existirem, aqui bem, perto, destinos, fora do espaço Shengen, onde as condições de quem trabalha são mínimas, as facilidades concedidas a quem investe são desmesuradamente desiguais em relação às nossas, bem como os impostos sobre a atividade que não têm qualquer comparação com os nossos, e, por isso, os preços são muito mais baixos que no nosso país. Mas, apesar disto, continuamos a ser o principal destino turístico nacional e um dos principais, a nível europeu.
É evidente que essas movimentações entre destinos, ao longo da bacia do Mediterrâneo sempre existiram e não será agora que deixarão de existir, mas não podemos estar à espera do mal que aconteça aos outras para o nosso bem, antes pelo contrário, temos que fazer o nosso “trabalho de casa” para que a perceção da imagem do Algarve seja claramente percetível quando os turistas escolhem o seu destino de férias.
João Fernandes – A nossa expectativa é a de que o Algarve possa continuar a ser percecionado como um destino apelativo, sobretudo no que diz respeito à questão da segurança, um dos eixos que a região (e o país) conseguiu capitalizar, mesmo durante a pandemia. Juntando a este ponto outros atributos que têm vindo a ser reconhecidos ao destino, de forma inegável, a nível internacional, nomeadamente a distinção, pelo segundo ano consecutivo, como o “Melhor Destino de Praia do Mundo” pelos World Travel Awards, leva-nos a acreditar que o Algarve poderá beneficiar de algum desvio de operações e ser escolhido em detrimento de outros destinos concorrentes.