Nas salas de conferências a que acorro, de vez em quando, passam mensagens otimistas relativamente ao estado atual do Algarve. Apresentam-se indicadores e conclui-se que a região cresceu mais rápido que a média do país e fez uma nova aproximação à média europeia. A economia mexe e o desemprego está baixo. O turismo continua a bombar, contido apenas na procura interna. Não é preciso mais nada para dar fôlego ao discurso de autossatisfação. Podemos concluir: vamos de vento em popa.
Confesso alguma perplexidade, pois esse não é o sentimento que colho junto das pessoas, de agentes económicos e muito menos de alguns responsáveis de organizações setoriais e de instituições de solidariedade social. Em todas as geografias, do litoral à serra, do sotavento ao barlavento, há nuvens carregadas de preocupação.
Vencer o Adamastor e dobrar o Cabo das Tormentas requer uma visão partilhada de futuro
Na verdade, temos perdido sucessivas oportunidades para corrigir trajetórias e os grandes projetos são constantemente adiados (o Hospital Central é certamente o mais desejado). Além disso, o Algarve está (mais do que nunca) face ao dilema de saber como gerir o “sucesso do turismo”, tornando o mesmo suportável para quem cá vive, ou para quem vem para cá trabalhar. Aumentam os problemas de habitação (com ausência de um mercado público devidamente articulado), de gestão de água (com confronto entre os diversos usos) e de exclusão de vastas áreas da região (com abandono de territórios não valiosos).
Por isso, penso no Algarve das próximas décadas. Porque a mudança global está a acontecer, muito mais acelerada do que sentimos. Perante a enorme complexidade de um mundo em crise em cadeia, como se está a região a preparar? Como está a encarar riscos e a incorporar as politransições – demográfica, climática, energética, tecnológica, económica?
Isso remete-me para questões concretas. Quero perguntar pelo PROTAL e pelos Programas da Orla Costeira. Quero perguntar pelo referencial de coerência da nova geração de PDM’s. Quero saber como se expressa o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas. Quero saber qual o sentido novo desses instrumentos. Como se juntam as peças? Como atribuem valor aos diversos territórios? Como avaliam o valor do capital natural, do capital produzido, do capital humano e do capital social?
Duas dimensões centrais são o foco destas minhas questões: a pressão sobre o litoral e os fenómenos de desertificação no interior. Que se vão agravar até 2050, com as alterações climáticas e este modelo económico excessivamente dependente do exterior (no fluxo de entradas de receitas e mão-de-obra) e excessivamente concentrado no uso dos recursos. Em ambos os casos, dependemos de políticas de ordenamento. Em ambos os casos dependemos de novas infraestruturas. Mas os desafios que enfrentamos exigem políticas de ordenamento e infraestruturas de carácter bem diferente e de outra amplitude. Com renovado sentido de cooperação intermunicipal.
Vencer o Adamastor e dobrar o Cabo das Tormentas requer uma visão partilhada de futuro. Requer um novo racional económico, com a sustentabilidade integral como pano de fundo. Requer uma perspetiva ecossistémica múltipla e estruturada (do natural ao urbano; do mercado à inovação) e um novo sentido de valoração para os territórios. Requer projetos transversais e ação intermunicipal. Requer, enfim, uma resposta institucional robusta, assente em lideranças esclarecidas e colaboração entre atores, públicos e privados, em que todos são úteis (na complementaridade de funções), todos são importantes (acrescentam valor) e todos são agentes de mudança (contribuem para os resultados).
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