O abismo vertiginoso – Um mergulho nas ideias da física quântica, chegado às livrarias em junho deste ano, com tradução de Silvana Corbucci, é o terceiro livro de Carlo Rovelli publicado pela Objectiva, depois de Sete breves lições de física e A ordem do tempo.
O autor afirma escrever para quem não conhece a física quântica, de modo a poder compreender, no essencial, “o que ela é e quais as suas implicações”. Escrito e pensado ambiciosamente, tendo em vista quer o público leigo quer cientistas e filósofos, o autor procura clarificar o melhor possível “uma teoria que se encontra no centro da obscuridade da ciência” (p. 13). Carlo Rovelli debruça-se sobretudo sobre os quanta. O principal objetivo da sua pesquisa em física teórica tem sido sobretudo compreender a natureza quântica do espaço e do tempo, tentando tornar a teoria dos quanta coerente com as descobertas de Einstein. Mas este é também um livro que tenta responder às mesmas perguntas da adolescência que levaram Rovelli a estudar física na universidade: “entender a estrutura da realidade, entender como a nossa mente funciona, como faz para compreender a realidade” (p. 183).
A teoria dos quanta descreve na perfeição o mundo que observamos, da cor do céu aos neurónios do nosso cérebro, do funcionamento dos computadores à origem das galáxias, e está, também, na origem de inúmeras descobertas e avanços tecnológicos, dos computadores às centrais nucleares.
“A solidez da visão clássica do mundo constitui apenas a nossa miopia. (…) A imagem do mundo nítida e sólida da velha física é uma ilusão.” (p. 109)
Numa linguagem acessível, clara, que procura esclarecer tanto como desmistificar, apesar de o tema ser inegavelmente difícil, o autor tenta revelar-nos alguns segredos da vida, em torno de uma teoria que, com início num dia de verão em 1925, na ilha sagrada de Helgoland, no mar do Norte, continua a encher-nos de “espanto, confusão e incredulidade” (p. 11), não obstante um século de resultados impressionantes e tecnologia contemporânea de ponta.
Se houve um momento em que “a gramática do mundo parecia clara”, este livro será um abanão nas nossas ideias e certezas sobre o mundo, pois levar a “mecânica quântica a sério” exige sobretudo renunciar ao “que nos parecia sólido e inquestionável nos moldes em que compreendíamos o mundo”: “O abismo do que não sabemos é sempre magnético e vertiginoso” (p. 14).
Ao narrar-nos a história da física quântica, o autor atravessa também alguns momentos-chave do século XX, como a bomba atómica – um dos piores efeitos da deturpação do saber científico – ou a ameaça que paira sobre regimes totalitários, incapazes de aceitar que a própria ciência negava visões monistas do mundo.
“O mundo fragmenta-se num jogo de pontos de vista, que não admite uma única visão global. É um mundo de perspetivas, de manifestações, não de entidades com propriedades definidas ou factos unívocos. (…) O mundo é um jogo de perspetiva, como dois espelhos que só existem no reflexo um do outro.” (p. 87)
Da mesma forma que há “continuidade entre o mundo dos significados da nossa vida mental e o mundo físico” (p. 162). Do mesmo modo que, só pela observação, o ser humano pode dar por si a influenciar fenómenos do mundo físico.
São menos de 200 páginas deste livro de capa dura que se leem de um só fôlego, ainda que haja passagens que, naturalmente, possam esquivar-se ao nosso entendimento, sem que o discurso se deixe enredar na aridez técnica, fazendo-nos partilhar do espanto do autor perante o muito que falta saber sobre o universo, o tempo, a vida, o eu. Ainda que o autor declare “Não sou filósofo, sou físico: um reles mecânico” (p. 144), deixa-nos passagens ora profundas ora poéticas que vão além da ciência.
Infelizmente, embora seja algo muito subtil e esporádico, há algo na tradução que não desliza (nomeadamente na falta de alguns artigos): “combinava com minha irrequieta bisbilhotice” (p. 51); “não sabemos tudo dele” (p. 94).