Migrações são movimentos populacionais que sempre existiram na história da humanidade.
Ocorrem devido a guerras, procura de alimentos e de melhores condições de vida, com as alterações climáticas em curso prevê-se que milhões de pessoas tenham de se deslocar e abandonar os seus territórios de origem.
É um problema novo, económico, mas sobretudo de gestão de recursos alimentares, habitação e reorganização social, mas também eminentemente cultural porque suscita relações e tensões provocadas por diferentes valores religiosos, formas de viver, de se alimentar ou vestir, de linguagens e manifestações culturais.
Após três séculos de mobilidades intercontinentais, de colonizações e esclavagismo, cerca de 40 milhões de pessoas entre 1840 e 1914 deixaram a Europa, dirigindo-se para as Américas fugindo à fome, foi uma das maiores migrações na história da humanidade.
Nos EUA e Canadá, concepções religiosas de colonos ingleses e irlandeses expressaram um modelo de organização social suportado em reinterpretações da Bíblia, uma cultura hoje patente em movimentos político-religiosos neoconservadores que defendem o supremacismo étnico, exclusão de minorias, legalização e acesso a armas por civis.
O cristianismo original não aprovava a usura, os juros e a supremacia do dinheiro como modelo de vida colectiva, as ideias defendidas por Jesus Cristo são nesses aspectos elucidativas. O capitalismo na sua fase ascensional e monopolista substituiu o modo de produção feudal, foi uma das causas do cisma religioso do século XVI, que levou à separação entre católicos e protestantes, com surgimento do luteranismo, calvinismo, anglicanismo e outras correntes.
Max Weber (1864-1920), alemão, economista, jurista e um dos fundadores da sociologia, desenvolveu no seu livro “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” a explicação de como o ideário capitalista se transformou em valor ético-cultural e não é apenas um modelo económico.
A componente cultural que se afirmou ao longo da revolução industrial e tecnológica, tem matriz anglo-saxónica ligada aos mercados, expressa-se por uma língua dominante, o inglês, é promovida pelas indústrias culturais do Norte, sobretudo musical, cinematográfica e de animação com substituição de festividades tradicionais por outras ligadas ao consumo massificado (halloween, noites brancas, dias comemorativos dos mais diversos temas,…).
No plano das migrações o caso português é particular. Portugal possui uma cultura não homogénea, recebeu influências das populações que habitaram o território antes da fundação do Reino, sobretudo romanos, visigodos e muçulmanos, evoluiu com a expansão marítima e colonizações africanas, asiáticas e do Brasil, finalmente reflexo das novas migrações do século XX registou-se na primeira metade emigração para as Américas e na segunda metade para a Europa ocidental sobretudo para a Alemanha, França, Luxemburgo e Países Baixos.
A lusofonia transcende a dimensão de Portugal, fez do português o quinto idioma no mundo, surgiu também uma cultura resultante da emigração, relacionada com o Pais e o exterior, baseada em laços afectivos com a aldeia natal, estabeleceram-se duplas nacionalidades, gerações de luso-descendentes contactam esporadicamente com o “País dos avós”.
Após a entrada de Portugal na União Europeia em 1986 surgiu a partir das superestruturas políticas a ideia de “cultura europeia”, que não encontramos nas ideias e textos fundadores.
Com uma frágil dinâmica demográfica a Europa dos 27 necessita atrair mão de obra exterior para manter os padrões de desenvolvimento. Ao mesmo tempo crescem na UE movimentos nacionalistas, populistas e até xenófobos, com expressão eleitoral, que encontram eco em populações receosas de alterações quantitativas e de convivência com outras culturas.
Portugal recebeu populações vindas de outros continentes, de acordo com o SEF em 2021 existiam 740 mil pessoas residentes (7% do total), sendo a comunidade brasileira a maior (209.072), seguida de Cabo Verde (35.913), Índia (30.995). Em 2022, com o conflito militar no Leste Europeu, haverá alterações significativas nos fluxos migratórios e no turismo.
Valores culturais e ambientais estarão em breve no centro de inevitáveis mudanças globais.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico