A loucura inspirada pelos deuses é, por sua beleza,
superior à sabedoria de que os homens são autores!
Platão, Fedro
Que queremos dizer quando afirmamos que estamos loucos? A palavra loucura espraia as suas conotações para lá do significado de alienação mental, acto irreflectido ou insensatez. Utiliza-se para revelar uma situação extravagante e possui até conotações positivas… Quem não quisera enlouquecer de amor, por exemplo?
Esta multifacetada face da loucura já vem de longe. Sócrates, no diálogo platónico Fedro, começa por referir-se à loucura profética. Trata-se do estado de delírio em que entram as profetisas de Delfos e as sacerdotisas de Dódona quando, inspiradas pelos deuses, interpretavam o oráculo. Afirma o filósofo que estas mesmas mulheres, quando se encontram no seu perfeito juízo, ficam com as suas capacidades reduzidas “a pouco ou nada”. No entanto, quando a Pítia ou Pitonisa, sacerdotisa de Apolo, recebia a inspiração divina sob a forma de vapores que saíam de uma fenda no solo, aconselhava não apenas cidadãos particulares mas também homens de estado. A sua influencia era enorme! Todos procuravam a sua ajuda. O delírio era, pois, considerado uma virtude bela por ser proveniente de uma graça divina. Recordemos o famoso aforismo “Conhece- te a ti mesmo!” inscrito no pátio do templo de Apolo em Delfos. Sócrates dedicou a sua vida inteira a segui-lo!
Loucura teléstica é aquela que encontramos nos rituais dionisíacos. É uma religião exuberante! Celebra-se o vinho e a fecundidade fálica. A embriaguês funde o indivíduo com o uno primordial. Nestes rituais a iniciação era reservada às mulheres. Em As Bacantes de Eurípides pode ler-se: “as mulheres abandonaram as casas a pretexto das Bacanais, e andam a correr pelos escuros montes, dançando em coros que prestam culto a um certo Dioniso. No meio dos tíasos encontram-se vasos cheios de vinho; aqui e acolá, as mulheres ocultam-se em sítios solitários onde se entregam aos braços de homens, como se fossem Ménades a oferecerem-se em sacrifícios.”
A terceira espécie de loucura, a que Sócrates faz referência no Fedro, é inspirada pelas Musas: “quando ela fecunda uma alma delicada e imaculada, esta estabelece a inspiração e é lançada em transportes, que se exprimem em odes e outras formas de poesia, celebrando as glórias dos Antigos, e assim contribuindo para a educação da posteridade. Seja quem for que, sem a loucura das Musas, se apresente nos umbrais da poesia, na convicção de que basta a habilidade para fazer o poeta, esse não passará de um poeta frustrado, e será ofuscado pela arte poética que jorra daquele a quem a loucura possui.”
Finalmente Sócrates refere-se à loucura de amor, inspirada por Afrodite e/ou Eros. Afrodite era a deusa da beleza, da sexualidade e do prazer. Eros, como o próprio nome indica, era o deus do amor e do erotismo. Este diálogo platónico surpreende pois o filósofo escolhe a paixão em detrimento da sensatez ou da temperança: “A vitória deve ser dada ao apaixonado, pois o amor foi enviado pelos deuses no interesse do amante e do amado (…) os deuses desejam a suprema ventura daqueles a quem foi concedida a graça da loucura.”
Recapitulemos, que tipos de loucura existiam na Antiguidade?
1 – A profética, de Apolo
2 – A teléstica de Dionísio
3 – A poética das Musas
4 – A erótica de Afrodite e Eros
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(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Agosto)