O Algarve enfrenta um desafio silencioso que se agrava a cada temporada: a gestão da água. As recentes notícias de que algumas barragens algarvias estão a atingir níveis críticos, levando a descargas para evitar danos estruturais, trazem ao de cima uma questão que não pode mais ser adiada. Se por um lado a abundância temporária de água pode parecer um alívio, por outro levanta inquietações sobre o que faremos quando as reservas voltarem a escassear – uma realidade que, no Algarve, está sempre à espreita.
As barragens, como a de Odeleite ou a do Bravura, são pilares essenciais para o abastecimento doméstico, a agricultura e o turismo, setores que sustentam a economia regional. Contudo, o equilíbrio entre armazenamento e consumo é frágil. Chuvas intensas, como as que justificaram as descargas recentes, são bem-vindas, mas não apagam o historial de secas prolongadas que marcaram a última década. O clima mediterrânico, agravado pelas alterações climáticas, não nos dá tréguas: períodos de precipitação irregular alternam com meses de calor abrasador, colocando pressão constante sobre os recursos hídricos.
A pergunta que se impõe é clara: estamos preparados para o “e agora”? A gestão da água no Algarve exige mais do que reagir a momentos de crise ou de excesso. É preciso aplicar um plano robusto e de longo prazo. A construção de novas infraestruturas, como a tão falada dessalinizadora, avança a um ritmo lento, enquanto soluções como a reutilização de águas residuais ou a captação de água da chuva em maior escala permanecem subaproveitadas. A agricultura, que consome uma fatia significativa das reservas, precisa de incentivos concretos para adotar técnicas mais eficientes, sem comprometer a produção que nos coloca na mesa produtos de excelência.
Os algarvios, habituados a fazer render o pouco que a terra oferece, sabem que a água é um bem precioso. Mas a responsabilidade não recai apenas sobre os cidadãos. As autarquias, o Governo e as entidades gestoras têm de alinhar esforços para garantir que o próximo Verão – ou a próxima seca – não nos apanhe desprevenidos. O turismo, motor económico da região, também deve continuar a contribuir, seja através de práticas mais sustentáveis nos hotéis e campos de golfe, seja na sensibilização dos visitantes.
Descarregar as barragens pode ser, hoje, uma necessidade técnica. Amanhã, porém, poderá ser um luxo que não nos podemos permitir. O Algarve não pode continuar a viver entre o alívio das chuvas e o medo da seca. É necessário transformar a gestão da água numa prioridade estratégica: antes que a próxima pergunta seja “e se não houver mais?”.
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