A fábrica de conservas de atum do Funchal, foi construída no sítio da Praia Formosa, Ponta da Cruz, freguesia de S. Martinho, Funchal, Madeira em 1909. Destinava-se à produção, fabricação e exportação de atum, sendo um estabelecimento muito grande «para a fabricação de conserva do atum, que n’aqueles mares é pescado à linha e tem um sabor mais apreciado dos consumidores», e à captura e pesca de cavalas.1 Nesse ano (1909), exportou-se grande quantidade de atum enlatado para Itália. Contudo, a legislação camarária, criava grandes obstáculos ao desenvolvimento da nova indústria, como seja, através dos impostos municipais que recaíam sobre alguns produtos vindos de fora para o fabrico de conservas: sal, azeite e folha-de-flandres. No entanto, o industrial João António Júdice Fialho, apesar de pagar aqueles tributos municipais, conseguiu mais tarde ser reembolsado pelo município do imposto arrecadado relativo ao material para as embalagens, pois os produtos importados destinavam-se a exportação. Em julho de 1910, foi-lhe devolvida a quantia de 1.555.900 réis, relativas a 31.118 kl de folha-de-flandres importada.2
No início do ano de 1910, estavam ao serviço desta unidade fabril, os vapores Falcão e Galgo. Dada a grande distância da fábrica do porto do Funchal, e dado ali existir um cais onde podiam acostar todo o tipo de embarcações, quer com peixe, quer com outros artigos, levaram o comandante da Guarda Fiscal, a criar nesse local um novo posto de fiscalização.3
Além da pesca do atum, os barcos da empresa Júdice Fialho, apanhavam outro tipo de pescado – as cavalas, que também pagavam um imposto por unidade. No ano de 1910, esta unidade fabril, exportou para a Metrópole 557 toneladas de atum em conserva. Nos anos seguintes, a fábrica continua a laborar mas com menor produção, devido a certos obstáculos. Em setembro de 1912, o empresário requere ao Diretor de Alfândega, permissão de caucionar por um só termo de responsabilidade permanente, todos os impostos municipais relativos às mercadorias que importasse e destinadas a drawback.4
Visto que necessitava de peixe para a sua atividade, Júdice Fialho, envia do Continente para Porto Santo uma armação completa para a pesca do atum, que foi instalada no ilhéu de Cima, que não deu resultados positivos «por serem as águas junto daquela ilha muito claras». Dado não alcançar resultados positivos e os elevados prejuízos da pesca com a armação entre 1910-1912, retirou a embarcação da região de Porto Santo, mas manteve a unidade fabril do Funchal.5
Com a Iª Guerra Mundial (1914-1918), o fabrico de conservas de atum sofreu um grande revés: a pesca do atum diminuiu; a fábrica passou a transformar menos quantidade de peixe; e baixaram drasticamente as exportações. Para procurar regular o mercado e para o interesse público, o Administrador do Concelho do Funchal deliberou em 1916, a proibição de exportação de diversos produtos como o atum e outras espécies de peixe «mesmo para abastecimento dos vapores que aportam ao Funchal, e bem assim a venda de peixe às fábricas de conservas, enquanto o mercado não tiver abundância dele para consumo (…)».6
Em 1919, atendendo à crise que se atravessava, o Governador Civil da Madeira, regulou a forma pela qual era permitida às fábricas de conservas, adquirirem atum depois de abastecido o mercado público e assegurada a subsistência da população: 1º as fábricas de conserva forneceriam a quantidade de atum necessária ao consumo, ficando obrigadas a expô-lo à venda no mercado do Funchal e nas demais freguesias do Sul da ilha, pelo preço máximo de $16 cada quilo, podendo vender o atum denominado voador ao preço máximo de $18; 2º para a venda do atum que no mercado do Funchal, começava às 6 horas e terminava às 15 horas de cada dia, empregaria cada uma das duas fábricas, pelo menos duas balanças; 3º o preço da venda do atum salgado durante a vigência das disposições antecedentes, não poderia exceder a $20 cada quilo.
Em 1930, devido aos constrangimentos municipais aos impostos dos produtos importados, à queda da produção do atum, e à diminuição do preço de venda do atum e da sua exportação, a fábrica de conserva de atum de Júdice Fialho no sítio da Praia Formosa, Ponta da Cruz, freguesia de S. Martinho, Funchal, com todos os seus pertences foi vendida à firma Tomaso Moro & Filgli, com sede em Génova.7
A indústria piscatória madeirense, exercia-se nas duas principais ilhas do arquipélago, nomeadamente no Funchal, Caniço, Machico, Câmara de Lobos e Paulo do Mar, na costa sul da Madeira. O atum de salga, foi a indústria de peixe mais antiga do arquipélago, praticada em todos os centros piscatórios do arquipélago da Madeira e das Desertas. O atum cozido e de conserva em azeite, industrializou-se pela primeira vez em Câmara de Lobos por João Baptista de Gambaro em 1827. No entanto, esta indústria devidamente organizada, apenas deu-se com a instalação fabril de Júdice Fialho na Ponta da Cruz, freguesia de S. Martinho, Funchal em 1909.8
O rendimento da indústria de pesca rendia 110 contos em 1914, 434 contos em 1920 e o imposto do pescado rendia 22.252$65 em 1920 e 50.080$94 em 1921.9
Os principais aparelhos de pesca empregues na Madeira para a pesca do atum e do gaiato eram as varas de salto.10 A pesca que se fazia a maior distância da costa era a do atum de albacora, que arribava à Madeira no verão e a das espadas. Contudo, os que tinham melhor qualidade eram o cherne, o alfonsim, o salmonete-do-alto, a tainha, o peixe-galo e a abrótea e seguiam-se-lhes a garoupa, o salmonete, o sargo, o goraz, o pargo, o boqueirão, o bodião, o atum voador, a agulha, a espada, a cavala, o chicharro e a sardinha.11
Segundo a planta da fábrica de conservas de atum da Júdice Fialho no Funchal, Madeira era constituída em 1912: 1 – cais, 2 – guindaste, 3 – casa com duas bombas Wortington, 4 – depósito de gasolina, 5 – escritórios, 6 – posto fiscal, 7 – casa de salga com 9 tinas, 8 – hangar para enxugar o peixe, 9 – bateria de 24 caldeiras de coser peixe, 10 – chaminé, 11 – adega do azeite, 12 – casa de azeitar, 13 – casa de máquinas para fabricar lata vazia e fechar cheia, 14 – casa de soldadores, 15 – casa de estufas, 16 – armazém de mercadorias, 17 – casa dos geradores de vapor – a e b) geradores de vapor, 18 – chaminé, 19 – armazém para depósito de artigos de peixe, 20 – armazém para depósito de azeite e peixe, 21 – prensas do guano, 22 – servidão onde despejam as caldeiras com desperdício de peixe, 23 – caldeiras de coser os desperdícios de peixe, 24 – conduto das caldeiras para a chaminé, 25 – chaminé, 26 – armazém de depósito de guano, 27 – eira para secagem, 28 – abegoaria ramada palheiro e casa do criado, 29 -estufa de cozer peixe, 30 – casa onde está o gasómetro e acetileno, 31 – retrete dos homens, 32 – depósito de água.
[1]cf. Para a fábrica de conservas de atum do Funchal, consulte-se a monografia de Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes – João António Júdice Fialho (1859-1934) e o Império Fialho (1892-1981), Lisboa: Academia dos Ignotos, 2022, pp. 54-58; Luiz Mascarenhas – Indústrias do Algarve, Lisboa: Centro Typographico Colonial, 1915, pp. 15-16 e Jorge Miguel Robalo Duarte Serra – O Nascimento de um império conserveiro: “A Casa Fialho” (1892-1939) [Texto Policopiado], tese de Mestrado em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Porto, 2007, p. 67.
2cf. Nelson Veríssimo, dir. – Islenha: Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlânticas, n.º 11, Jul-Dez. 1992, p. 63.
3cf. Nelson Veríssimo, op. cit., p. 64.
4cf. Nelson Veríssimo, op. cit., p. 64.
5cf. Padre Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes – Elucidário Madeirense, Vol. II F-N, Funchal, 1998, p. 152 e Vol. III O-Z, p. 74; Joaquim Ferreira da Silva – «João António Júdice Fialho: um quase Ministro das Pescas-1859-1934», in Revista da Marinha n.º 978, Março-Abril, 2014, pp. 46 e 47.
6cf. Nelson Veríssimo, op. cit., p. 65.
7cf. Nelson Veríssimo, op. cit., p. 66.
8cf. Eduardo Clemente Nunes Pereira – Ilhas de Zargo, vol. 2, 2ª edição, Funchal: Câmara Municipal, 1956-1957, p. 792.
9cf. Elucidário Madeirense, Vol. II F-N, op. cit. pp. 151-152.
10cf. Elucidário Madeirense, Vol. II F-N, op. cit. pp. 151-152.
11cf. Elucidário Madeirense, Vol. II F-N, op. cit. pp. 151 e 153.