METRO DE PROFUNDIDADE
Lá bem no fundo do poço de promessas eleitorais que foram passeando pelo Algarve nas últimas décadas ao ritmo pouca-terra do comboio regional, sem nunca terem chegado ao destino na Estação da Concretização, está o famoso Metro de Superfície. De vez em quando apita, estridente de aflição, tão evidente é a sua ausência, quanta a sua necessidade. É o triângulo das bermudas da mobilidade sustentável, Faro-Olhão-Loulé numa das trilateralidades possíveis, passando pelo aeroporto, pelo campus universitário, pelo lote onde se imagina um hospital e, já agora, pela meca comercial da Alfarrobeira. Para os mais crédulos do bom senso não custa imaginar, porque faria sentido, uma perninha estendida em direcção a Albufeira, saberão os deuses para quando.
No início do mês corrente, o Chefe Costa desceu com a sua Corte governativa até ao Algarve onde, entre protestos do professorado em luta e dezenas de apeadeiros do afinco governamental, trouxe a boa nova ao povo algarvio e aparentado. O Metro vem aí! Só que não, afinal não é o Metro de Superfície como insistiu em chamar-lhe a Ministra Abrunhosa, na sua já lendária dificuldade de expressão.
Não basta somar a população dos três municípios. Existe muita gente fora do raio de acção do Metrobus, dos seus 38 Kms e das suas 24 paragens
José Apolinário, presidente da CCDRA, com a sensatez que o caracteriza, recolocou o nome no boi: Metrobus, ou seja, autocarros eléctricos a circular em corredor próprio. Para quando? Lá para o final da década, se não houver atrasos, que entre estudos, projectos e concursos internacionais, trabalhinho não falta por fazer. Quanto custa? Para já, fala-se em 120 milhões de euros, que esta era a opção mais baratinha, só que a procissão ainda agora vai no adro. Quem paga? 70 milhões já estão garantidos e aprovados pela Comissão Europeia, e reservados numa gaveta do Programa Regional 2030 ali na Praça da Liberdade em Faro. O resto virá, supõe-se, das três autarquias envolvidas, em fatias ainda por determinar. Pode não ser aquilo que se pensava, mas é muito melhor do que nada. Tem vantagens evidentes.
Este Metrobus garante o corredor onde um dia, se for necessário, poderá haver o tal Metro de Superfície a deslizar sobre carris. Tem um impacto ambiental muito positivo, mesmo que o cidadão comum não perceba muito bem o que significa retirar milhares de toneladas de CO2 por ano da atmosfera. Irá servir muita gente que se desloca para trabalhar, para estudar, para passear, para comerciar, mas não tanta como proclama o estudo prévio ora apresentado. Não basta somar a população dos três municípios. Existe muita gente fora do raio de acção do Metrobus, dos seus 38 Kms e das suas 24 paragens, casos de Quarteira, Vilamoura, toda a serra do concelho de Loulé, por exemplo.
Não há como não aplaudir, iniciativa tão estruturante do presente e do futuro da Região, pela qual tantas vozes se levantaram no deserto da espera. Não há como não desconfiar, tanta primeira pedra assentada no muro dos compromissos falhados, na videoteca de anúncios de obras que viraram publicidade enganosa. Predicado da caridade cristã, perdoem-se mentiras, falsidades, desconsiderações feitas à Região desde tempos imemoriais, e conceda-se o benefício da dúvida. Mas que saibam que estamos despertos para as dificuldades do caminho. Isto não é para amanhã. E há tempos difíceis de encurtar.
A exploração desta linha parece encaminhada para a Comunidade Intermunicipal do Algarve. Tudo, menos cair nas mãos da CP, essa empresa-sempre-em-greve, que há muito perdeu a noção daquilo para que existe: servir bem a população. Ou então que se faça uma PPP, negociada como deve ser, com transparência, onde o interesse público não se subalternize ao interesse privado. Um bom negócio, já diziam os antigos, tem de ser bom para ambas as partes.
FALTA DE CHÁ
Seguir caninamente os noticiários televisivos é uma droga que vicia, anestesia e envenena a alma. Nada diferencia os canais, até nos tempos e nos conteúdos publicitários, para que ninguém se escape de um para o outro ao intervalo. A receita é igual, os condimentos são os mesmos: guerras, crime, corrupção, violência, abusos sexuais, assaltos, greves, protestos, manifestações, doenças, ineficácia do sector público, ganâncias individuais, os teatrinhos obrigatórios da política partidária, bola+bola+bola, comentaristas de tudo e de coisa nenhuma, tribunais, rusgas, hospitais e urgências, um rosário sem fim de desgraças que os cidadãos consomem sem pestanejar enquanto engolem a sopa. Um absurdo. São raras as notícias que fogem deste enredo, que falem de esperança e bons exemplos de vida, um olhar a sociedade pelo lado positivo, em contraponto com écrans a preto e branco tisnados de vermelho cor de sangue e salpicos de choque e escândalo.
Dizem que o chá, essa bebida milenar que o imperador chinês Shen Nung terá descoberto no ano de 2737 a.C., tem propriedades imensas que apaziguam os espíritos mais revoltados. Desintoxica, cheira bem e melhor sabe. Entre mitos e verdades, o chá tem fama de ser analgésico, anti-depressivo, anti-oxidante, anti-reumático, anti-bacteriano, dietético, soporífero e de melhorar o equilíbrio mental e a produtividade. Com tanto desequilibrado à solta, poder-se-á concluir que existe actualmente uma generalizada falta de chá. A escolha é imensa, da camomila à erva-cidreira, do preto ao verde. Cá pelo Algarve, o chá Príncipe é rei, vá lá saber-se porquê.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia