Olhando em retrospetiva, foi em 2006 que tive o meu primeiro contacto profissional com a arqueologia. No âmbito do meu estágio, na Oficina Educativa do Museu de Portimão, fui encarregue da realização de uma réplica arqueológica com finalidade pedagógica. Deste episódio, recordo vivamente o momento em que tive oportunidade de segurar nas minhas mãos um cilindro de calcário branco polido, com dois olhos circulares, pestanas e sobrancelhas radiais incisas na superfície da pedra. Esta peça, pertencente ao espólio do monumento nove da Necrópole Megalítica de Alcalar, pode, atualmente, ser vista na secção “Origem e destino de uma comunidade – Alcalar: a ocupação Milenar de um Território” da exposição de referência do Museu de Portimão.
Considero hoje que esta oportunidade marcou todo o meu percurso subsequente. Manipular um objeto proporciona uma forma de conhecimento particular, mais próxima e muito mais profunda do que a decorrente da sua visualização através da vitrine de um museu. Esta experiência espoletou o meu interesse pela arqueologia, que veio a nortear o meu atual trabalho de investigação: análise e definição do potencial papel da escultura contemporânea na comunicação de arqueologia em contexto museológico. Ao longo das últimas duas décadas, as dinâmicas entre escultura e arqueologia têm-se vindo a transformar, passando das mais tradicionais relações baseadas na analogia formal e na inspiração recíproca, para outras – na minha opinião muito mais interessantes – que maximizam e exploram o potencial de projetos de investigação conjuntos, levados a cabo por equipas interdisciplinares, compostas por artistas e por arqueólogos. Estes projetos geram interações muito mais complexas, em que ambas as disciplinas tratam os mesmos temas e partilham os seus métodos de trabalho.
A arqueologia procura comunicar com um público cada vez mais alargado
A arqueologia (tal como as demais ciências humanas ou exatas) procura comunicar com um público cada vez mais alargado e menos especializado. Os museus e as paisagens arqueológicas – enquanto espaços privilegiados de diálogo entre a disciplina e a sociedade – devem propiciar ativas e significativas vivências do património. No entanto, parece-me que os tradicionais métodos expositivos nem sempre estão à altura deste desafio, acabando por criar atmosferas redutoras que não estimulam o pensamento individual. Novas abordagens criativas no programa expositivo podem incrementar positivamente a experiência da arqueologia por parte do público, ao mesmo tempo que contribuem para uma nova forma de salvaguarda do património.
Neste sentido, e de acordo com experiências anteriores, defendo que a exposição de escultura contemporânea em sítios arqueológicos pode ser, para além de boa-de-olhar, boa-para- -pensar, na medida em que transforma o lugar e desafia o observador, redirecionando- o para uma nova posição de compromisso entre o contemporâneo e a envolvência arqueológica do espaço.
As obras de arte tridimensionais (escultura/ instalação contemporâneas), pela ímpar experiência visual que criam e pela forma como ocupam o espaço expositivo, induzem a uma forte interação física com o público. Trazem, assim, vitalidade à experiência museológica e podem levar os visitantes a interpretações mais ativas, mais livres e mais subjetivas. A escultura facilita o envolvimento físico do observador, confrontando-o com a sua presença e levando-o à descoberta da sua forma, da sua materialidade, do seu detalhe. Estes aspetos podem cativar e suster a atenção do público, encorajando- o a uma exploração independente dos significados da obra e, como que por contágio, do contexto arqueológico em que esta se vê integrada.
Por ter a importante capacidade de colocar dúvidas (não dando respostas), a escultura contemporânea “dá trabalho” ao observador. Desencadeando originais diálogos entre o observador e os vestígios materiais do passado, a escultura contemporânea pode, por exemplo, alertar os visitantes para importantes temas, conceitos ou materiais que normalmente estão adormecidos no espaço do museu ou da paisagem arqueológica. Ao aspirar a uma resposta ativa por parte do observador, a exposição de escultura contemporânea em espaços de natureza arqueológica pode contribuir para um discurso inclusivo no âmbito das práticas ligadas ao património, um discurso que procura a equivalência de pensamento entre o público geral e os especialistas.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Julho)