EM ESTADO DE PROPAGANDA PERMANENTE
Desiludam-se os novos saudosos do antigo regime, em cuja memória selectiva apenas se reteve um vale de virtudes e moralidades. Havia nepotismo e muito, corrupção de cima a baixo, degradação moral por detrás da fachada, já para não falar da pobreza generalizada de um povo subjugado a um sistema económico-colonial dominado por meia dúzia de famílias e oligarcas. Assentada a poeira do período revolucionário, onde se esteve à beira de substituir um totalitarismo por outro de sinal contrário, a democracia consolidou-se em Portugal. Como dizia Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, com excepção de todas as demais”. É imperfeita? Bastante! Repetiu muitas das maleitas atrás referidas? Infelizmente, e até acrescentou outras! Mas a liberdade e o pluralismo de opiniões por que se bateram Mário Soares, Sá Carneiro e muitos outros, não tem preço. E, goste-se ou não deles, dos seus dirigentes e dos seus métodos, os partidos políticos são UMA das traves-mestras de qualquer sistema democrático.
“É uma parafernália de cartazes gigantescos com mensagens partidárias. Já não é só uma questão estética ou de direito de paisagem. É difícil não lhes associar um risco para a circulação automóvel”
Uma sociedade civil forte é outra, embora ainda estejamos demasiado longe dos padrões que valem a pena ter como referências. Por motivos variados, mas muito por culpa própria, os partidos políticos conhecem hoje um índice de popularidade e credibilidade muito baixo, em contraponto com a preponderância exagerada que têm na vida da sociedade. Um exemplo. Os partidos políticos estão isentos por lei de pagar IMI, IMT, Imposto de Selo, Imposto Automóvel, Imposto sobre Sucessões e Doações, IVA, taxas de justiça, custas judiciais e outras taxas e taxinhas por aí fora. É um privilégio considerável num País onde cidadãos e empresas arcam com um fardo fiscal brutal. Vive-se em estado de propaganda permanente. Já não é só nos períodos de campanha ou pré-campanha eleitoral, com regras e calendários próprios. Hoje vive-se em estado de prolongamento pós-eleitoral, numa contínua fita do tempo. Já não basta o ritual diário e repetitivo que as televisões impingem, escolhendo o tema do dia sobre o qual se sucedem os comentários obrigatórios dos mesmos personagens de sempre, rodeados por uns quantos papagaios do pirata à volta do pescoço para compor a cena dos teatrinhos montados à porta de empresas, no virar da esquina, nos Passos Perdidos, onde calha. Hoje, os partidos políticos, assenhorearam-se do espaço público para divulgar as suas mensagens sem qualquer limite físico ou temporal, sem pagar renda pela ocupação do terreno que pertence a todos. Num país onde menos de metade (48,79%) dos eleitores inscritos votaram nos partidos concorrentes às passadas eleições de Janeiro, torna-se matéria de reflexão este direito consuetudinário sobre a coisa pública que os mesmos se arrogam. É possível que a cruzada de Carlos Moedas contra a propaganda política em zonas emblemáticas de Lisboa, como o Marquês de Pombal, acabe em nada, no emaranhado jurídico entre a liberdade de expressão ou o direito à informação que a vaca sagrada da Constituição garante e a poluição visual que os cartazes provocam. Na gestão deste conflito de direitos, a opinião do cidadão não conta para nada. A principal entrada de Faro, por exemplo, é uma parafernália de cartazes gigantescos com mensagens partidárias. Já não é só uma questão estética ou de direito de paisagem. É difícil não lhes associar um risco para a circulação automóvel. A não ser que já ninguém lhes dirija o olhar. Por cansaço, ou por desprezo.
FREGUESIAS RESSUSCITADAS
Durante as trevas da Troika, o ministro Miguel Relvas levou muito a peito a missão de extinguir autarquias locais sob a forma de integração. Nos municípios não houve coragem para tocar. Nas freguesias, consideradas o elo mais fraco, foi uma hecatombe. Pelo método cirúrgico da agregação, sucumbiram 1.165 freguesias, mais de um quarto do total. Conceição e Estoi foram na enxurrada. Em Junho do ano passado, o governo PS criou, e bem, uma lei que permite a ressurreição das freguesias falecidas. Se existem autarquias onde a proximidade das populações é uma realidade útil e permanente, são as freguesias. O PS/Faro anunciou ufano e redentor estar em marcha a proposta de desagregação da Conceição e de Estoi. Terá que passar pelas maiorias lideradas pelo PSD na Câmara e na Assembleia Municipal de Faro, oxalá sem obstáculo. A bem da verdade histórica, o PS/Faro deveria recordar também que a eutanásia autárquica consta do parágrafo 3.45 do Memorando de Entendimento assinado pelo governo de José Sócrates em 17 de Maio de 2011, vinculativo do Estado Português, e que trouxe a Troika para cá. “Existem actualmente 308 municípios e 4.259 freguesias. Até Julho de 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número destas entidades” – é o que reza o texto, sem tirar nem pôr.
FEIRA DE SANTA IRIA
Até ao aparecimento dos centros comerciais e dos outlets, as feiras, francas ou não, ocupavam um lugar único no calendário das povoações. Era o momento mágico de “enfeirar” para o resto do ano. Roupa, calçado, fruta, animais de criação. Alegria da criançada pelo boneco, pelo brinquedo de lata, plástico ou madeira. Tudo pouco sofisticado, tecnologia incipiente. Comes e bebes em condições higiénicas descuidadas. Torrão de alicante, doces, chocolates, tiras de polvo assado. E muita diversão, carrinhos eléctricos, carrocéis, tiro ao alvo, acrobatas das motas, casas de espelhos distorcidos e terrores vários. Pelo caminho de volta, a gaita de beiços animava a jornada, deixando na boca aquele travo metálico de coisa nova. Para quem esteve duas décadas sem voltar à Feira de Santa Iria, em Faro, a saudade é turbilhão, mas a realidade é diferente para melhor. Onde havia lamaçais pelas chuvas outonais, hoje o piso está todo pavimentado, uma limpeza. Já não se ouvem os geradores a gasóleo, electricidade, água e saneamento é outra louça. As roulottes são modernas e sofisticadas. As diversões parecem bastante atractivas e diversificadas. A alimentação cobre todas as áreas do apetite. Existem espaços de exposição para ver. Estacionar é problema estrutural. Falta o cheirinho exclusivo dos peros de Monchique. Bacalhau e Bruno Lage não estavam lá para receber, mas valeu a pena a visita. Com lenda ou sem lenda, Santa Iria continua a abençoar esta feira que vem do século XVI até hoje.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico