CAPACIDADE DE CARGA
Aquilo que deveria ter sido um abalo telúrico na consciência de agentes económicos e políticos que se preocupassem verdadeiramente com o futuro do Algarve, passou à margem dos sismógrafos da opinião pública da Região. Nem com o epicentro noticioso na primeira página do jornal Público, ocorrido no passado dia 19 de Fevereiro, alguém despertou desta letargia colectiva que há muito tomou conta das chamadas forças vivas, em estado de sonolência ante-mortem. Idálio Revez, jornalista algarvio, teve a coragem de colocar o dedo na ferida em artigo-denúncia ao qual não se viu qualquer contestação.
Em nome de pretensos e muito discutíveis “direitos adquiridos”, a passadeira está estendida para a construção de mais 11.000 camas na faixa que vai do mar até 500 metros da costa, dentro do Processo de Betonização em Curso, com particular incidência no litoral que vai de Albufeira até à Costa Vicentina. Lagoa, Portimão, Lagos, que pena! Com a passividade de autarcas, quando não conivência, com a cumplicidade de responsáveis técnicos manhosos de utilidade dual, com a intromissão do poder central por via dos malfadados PIN’s, com o assalto de fundos imobiliários sem face visível e de paternidade off-shore, a luta continua, os valores paisagísticos valem ZERO!
É triste que não haja um punho que bata nesta mesa, uma voz que se erga, um grito que diga: JÁ CHEGA!
A análise ao desempenho económico da Região fica-se muitas vezes pela superfície flutuante das taxas de ocupação hoteleira, de recorde em recorde. Ninguém parece preocupado em reflectir mais profundamente sobre a capacidade de carga turística da Região, como se tudo pudesse crescer rumo ao infinito sem avaliar os impactos no modo de vida de quem aqui reside permanentemente, no preço dos produtos, dos serviços, das casas. E, porque não dizê-lo, na qualidade do serviço massificado que se oferece aos Turistas.
Sessenta anos depois de ter sido descoberto pelo mundo, o Algarve parece não ter aprendido nada com os erros do passado. Em 1993 (DL 351/93 de 7 de Outubro) exigiu-se aos projectos imobiliários em espera um Certificado de Compatibilidade com o PROTAL. Como é possível que quem nem sequer o solicitou nessa altura, seja elegível para aprovação 30 anos depois, passando por cima da REN, da RAN, e de todo um arquétipo legislativo de protecção contra este assalto, e que está em risco de se desmoronar. José Apolinário, responsável primeiro da CCDRA, tem nas mãos a possibilidade de fazer frente à investida. Tem fama de honesto, o futuro dirá se esteve à altura da reputação. Ao arquitecto José António Faísca Duarte Pacheco, o seu número dois, pede-se que coloque a coragem ao nível da sua isenção técnica. É triste que não haja um punho que bata nesta mesa, uma voz que se erga, um grito que diga: JÁ CHEGA!
A MATA DO LICEU
De vez em quando sai notícia que contraria a carga negativa que transparece de um urbanismo refém de interesses imobiliários insaciáveis, que devoram todo o espaço ainda disponível no casco central da cidade de Faro, com a bênção dos poderes políticos. Foi o caso de ter sido dada como concluída a requalificação da mítica “Mata do Liceu”, pulmão verde que envolve o coração educacional onde se formaram tantos milhares de algarvios desde a sua fundação. Aquele edifício educativo, imponente no Alto de Santo António sobranceiro sobre a cidade, comemora no dia 28 deste mês de Abril 75 anos de existência.
No meio de tanta celebração insignificante que campeia por aí a propósito de tudo e de nada nos calendários de animação, esta é uma efeméride que merecia ser devidamente assinalada com boda e diamante. Tome-se esta boa nova da (re)inauguração da “Mata do Liceu” como o aperitivo de um programa que provavelmente não existe, para lá de um jantar de antigos alunos que parece estar em preparação. Aquele espaço natural arbóreo, outrora muito mais densificado, foi palco de muitos beijos e abraços enamorados e roubados ao “apartheid” sexista então reinante, meninos para um lado, meninas para o outro, protegidas em locais recatados de recreio e de estar próprios à volta da Sala de Lavores (femininos, pois claro!).
Era arquitectura de opção simétrica, nada de misturas em escola mista, até pouco antes da alvorada de Abril. Por entre árvores e arbustos não havia percursos definidos, dependia das opções do chefe do grupo ginasta que fazia corta-mato fora dos muros do Liceu. Dependia da protecção que a cortina verde oferecia aos amores proibidos, coisa mais pueril do que se pudesse imaginar. Hoje é tudo às claras, a Mata tem tudo, “street workout” (seja lá o que for isso…), campo de basquetebol, parque geriátrico (outro palavrão modernista), parque infantil, anfiteatro, relvado, não falta nada ali. Talvez tenha desaparecido aquela árvore que produzia umas bolas castanhas tipo golfe, com que os veteranos fustigavam o crânio dos caloiros à entrada do portão principal, bullying doutros tempos. Seja como for, o Liceu, que já se chamou Nacional, Central, Escola Secundária, para acabar agora em cabecilha de Agrupamento (que horror!), continua a ser o orgulho de quem por lá passou.
Recorde-se sem vírgulas a divisa do patrono, João de Deus, o grande Poeta e Pedagogo de Messines: “A escola não é tortura nem brinquedo é sim estudo não é cárcere nem páteo é sim templo”. Onde é que estaremos agora?…
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia