CASINO GLOBAL
Antigamente, as pessoas iam ao Casino. Hoje, o Casino incrustou-se nas pessoas. Acompanha-as através do telemóvel na cartucheira, por onde quer que vão. É o mundo das “apes” da jogatina. Entra-lhes pela televisão adentro nas doses brutais de futebolite aguda com que se viciou o planeta inteiro, na publicidade dinâmica, nas camisolas dos clubes, na testa dos artistas da bola. O império das casas de apostas veio para ficar e colonizar pela dependência das gentes. Outra máfia, de que já ninguém se livrará até ao fim dos seus dias. Com a cumplicidade da classe política, a gulodice dos dirigentes, a ganância dos agentes, a guerra do jogo escalou no campus desportivo, como soi agora dizer-se, instalou-se um Casino Global de exploração universal. Há muito dinheiro na repartição dos interesses, outras modalidades desportivas são hoje subvencionadas com o seu quinhão percentual desta roleta compressora. Um mensalão legal, se abrasileirarmos a coisa. Até os programazecos da choraminga e da lisonja inter-pares das nossas televisões vivem do pinga-pinga das chamadas telefónicas, que não deixa de ser outra forma miserável de explorar as classes mais baixas da nossa pirâmide social, na vã esperança de um minutinho de sorte.
“Depois de décadas de abandono e depredação, o Milreu adquiriu vida nova, e merece ser visitado. O bilhete mais caro custa dois euros. Uma bagatela nos dias que correm”
O grau de sofisticação desta indústria do vício no jogo, faz o Totobola e a Sorte Grande parecerem relíquias pré-históricas. Só neste rectângulo da ocidental praia lusitana há 5.000 guaritas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a vender Euromilhões, uma instituição que de santa já tem pouco e arrecada para a capital o tributo do país inteiro. Raspando o tacho dos pobres até ao fundo, inventaram a Raspadinha que rapidamente proliferou por toda a parte, legal ou ilegalmente. Está provado que as suas principais vítimas são os mais pobres entre os pobres. Mas ninguém se incomoda. Um azar dos diabos! Porque haveria alguém de se incomodar quando o exemplo vem de cima? O Estado português, por exemplo, viciou-se desde há quarenta anos nos fundos da CEE, sem os quais já teria entrado em bancarrota e fechado a loja da independência.
MILREU
Pelo Algarve passaram mil povos, por aqui ficaram palavras, costumes, crenças, temperamentos e diferentes pelagens que deram o “homo algarvensis” tal como o conhecemos até há pouco tempo. Uma caldeirada genética que conhece actualmente um novo impulso com sangues diversos que vêm de Leste, da Ásia distante, das Américas meridionais ou de África aqui tão perto. Apesar desta riqueza inter-cultural, o que sobrou de monumentalidade é poucochinho, pobrezinho até, comparado com o que existe por essa Europa fora, e nem é preciso ir a Roma, a Viena ou São Petersburgo. A dois passos daqui, o património histórico edificado do Al-Andalus põe o Algarve a um canto, Sevilha, Córdova, Granada, reconheça-se sem ofensa ao bairrismo regionalista. A beleza da costa e das praias são o nosso monumento mais exuberante, que ombreia muito justamente com outras equivalentes no resto do mundo. Somando esta vantagem herdada sem esforço da mãe Natureza à bonomia das gentes, à excepcionalidade de um clima moderado isento de humidade e uma panóplia de sabores capazes de fazer salivar as papilas gustativas mais áridas do planeta, temos os ingredientes que atraem um quarto dos portugueses e milhões de turistas a esta parte do paraíso terreal. Poucos virão focados em visitar o nosso património histórico. Mas já que aqui estão, é incompreensível que não se faça um esforço maior para os levar lá. Infelizmente, até poucos algarvios saberão como progrediu recentemente a escavação do sítio arqueológico do Milreu, às portas de Estoi, como bem descreveu a revista “National Geographic”. Não, não é a antiga cidade romana de Ossónoba, como Estácio da Veiga supunha quando ali começou a escavar no século XIX. Mas devolveu-se finalmente a verdadeira dimensão a esta antiga villa com o seu templo em honra de ninfas aquáticas, e os frisos de mosaicos pejados de fauna marítima nas suas piscinas e termas. São 3.000 metros quadrados de área construída a partir do século I, tendo a água como elemento central, e cujas ruínas agora à mostra conduzem a imaginar a grandeza dos tempos do império romano ou da presença árabe que se lhe seguiu. O espaço está vedado, dispõe de estacionamento, recepção e de um pequeno museu à entrada. Depois de décadas de abandono e depredação, o Milreu adquiriu vida nova, e merece ser visitado. O bilhete mais caro custa dois euros. Uma bagatela nos dias que correm.
O CHARRO E A PRATA
Aqui há tempos o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA) concluiu que “três em cada 100 portugueses consomem canábis pelo menos 20 vezes por mês, o que torna Portugal o segundo país da Europa com maior consumo regular desta substância”. Medalha de prata, portanto. É bom, mas não é suficiente, para um povo que aspira sempre tornar-se o melhor do mundo, seja a jogar ao berlinde ou a cozinhar caracóis. Venha o ouro, o topo do podium, mobilizem-se! Quem não poderá jamais ser acusado de não se esforçar, são os traficantes. No curto espaço de cinco dias, um grupo deles espetou-se contra um barco da GNR (azar dos Távoras…) rio Guadiana acima em bom ritmo, e lá foram 90 fardos de haxixe (3,8 toneladas) à viola, ou seja, directos para os celeiros da Polícia Judiciária. A 1 de Novembro, foram encontrados 180 fardos da mesma mercadoria (6,3 toneladas) ao sul da Ilha da Armona, à deriva. Como estas perdas representam certamente uma microscópica percentagem do volume de estupefacientes destinados ou em trânsito por Portugal, estamos no bom caminho para a medalha de ouro do consumo. Começa-se no charro, e acaba-se na charrua das drogas duras. Uma desgraça para as vítimas e as suas famílias. Apenas uma das novas formas de escravatura do século XXI.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico