OS CONTRASTES DA EN 125
A Estrada Real nº 78, ligando Vila do Bispo a Vila Real de Santo António foi concluída em 1874, livre de alcatrão, no tempo da terra batida. Comemorará, portanto, o seu 150º aniversário no próximo ano. Efeméride que merecia celebração condigna, tão relevantes serviços tem prestado à Região desde então, de forma tão duradoura que ainda hoje é um eixo indispensável da circulação e da economia do Algarve. É possível que ninguém se lembre disso, muito menos a classe política parlamentar e autárquica que certamente não lê esta coluna ou, se acaso lhe passa os olhos, depressa cerra as pálpebras e limpa o cérebro de qualquer idéia que fuja da caixa dos joguinhos da luta partidária.
A culpa é de quem tem autoridade para tudo, menos para tomar medidas que tornem o Algarve mais apresentável
Redenominada Estrada Nacional 125 pelo Plano Rodoviário de 1945, esta via tornou-se tão familiar aos olhos de toda a gente, passantes e residentes, que leva ao despercebimento da sua real importância e dos seus pontos fracos. É como os pequenos amontoados de lixo, ou de pedras da calçada, que se notam ao primeiro dia, à primeira semana, até já não despertarem qualquer reacção porque integraram a paisagem habitual de quem passa. Repare-se na dualidade de percepções. À beira das suas valetas, cresceram como cogumelos habitações e comércios. A vida de muitos milhares de habitantes está ali, transita por ali, vai ali. É uma artéria fundamental para o coração económico do Algarve. Congestionada, estrangulada em certos troços por requalificações recentes incompreensíveis, que fizeram passeios pedonais desproporcionados para passantes inexistentes face à estreiteza de faixas únicas para o trânsito automóvel, transportado de volta às velocidades do século XIX.
Noutros troços, a requalificação jaz na gaveta há largos anos, pesem múltiplas e sucessivas promessas de governantes em excursão pela Região. Já houve grande manifestação contra as portagens na Via do Infante, que entupiu literalmente a EN 125, numa mobilização irrepetível. Depois disso, um grupo geringonço traz o assunto à tona de comunicado quando politicamente lhe convém. Depende. Mas ninguém protesta, nem se revolta, nem faz manifs, nem palra na televisão, para denunciar o Museu do Desleixo ao ar livre, à vista de todos, que se espalha de uma ponta à outra da estrada, de um lado e de outro, com dezenas (centenas?…) de prédios em ruína, esventrados, escavacados, sem portas nem janelas, tela de grafittis sem arte nem mérito, cercados de erva, que conspurcam a paisagem envolvente da nossa principal avenida. Não, a culpa não é só de proprietários desleixados, de gente à espera de permissão urbanística para embolsar fortuna, de herdeiros perdidos no espaço e no tempo. A culpa é, principalmente, de quem tem autoridade para tudo, menos para tomar medidas que tornem o Algarve mais limpo e apresentável, e acha que não é nada consigo.
AQUA VIVA – A PRAIA DO ZÉ
É uma força da natureza, inspirada pelos deuses da música, filho de Apolo e Minerva. José Praia de seu nome, um artista versátil pluri-instrumental, intérprete da música tradicional portuguesa do Minho ao Algarve, dos Açores e da Madeira, sem esquecer o fado de Coimbra e alfacinha. Um todo-o-terreno que actua em hotéis, restaurantes, festivais, em pavilhões e ao ar livre, em praças, pracetas, avenidas, de Portugal e além-fronteiras, nas Américas e na Europa, para audiências de todos os tamanhos, pequenas, médias, gigantes.
Quantos compositores têm mais de duzentas obras registadas, mais de uma dúzia de álbuns editados? A sua rapsódia musical é contagiante, um verdadeiro hino à alegria, faz do público, de imediato, membro colectivo do grupo que fundou há 35 anos, chamado Aqua Viva. Há química instantânea ali, empatia irrecusável, repetindo refrões, batendo o pezinho, numa dança envolvente, uma espiral dos sentidos. José, artista completo, cantor, autor, músico, dançarino, apresentador, “entertainer”, apresenta-se pela positiva, não pelo protesto.
O seu reportório é uma elegia dos costumes do povo português, da sua gastronomia, das suas paisagens, do bom com que a Natureza nos prendou, das terras e das gentes, onde o Algarve ocupa um lugar central. Um verdadeiro embaixador, a quem a Região como um todo ainda não prestou a devida homenagem por serviços prestados (alô Cultura, alô RTA, alô gente dos poderes públicos). Albufeira, terra de adopção deste minhoto de Esposende, fê-lo. Mas não chega. Merece mais. Merecem, os membros dos Aqua Viva, que começaram por ser os filhos Alberto, Gonçalo e Miguel, mais o eterno João Leandro que ainda lá está, e hoje são uma verdadeira orquestra de variedade musical: saem sons de acordeão, cavaquinho, braguesa, bandolim, concertina, viola, guitarra, baixo, bombo, tambor, tamborins, ferrinhos, piano, órgão se for preciso.
Num tempo infestado de “play backs”, sabe bem ouvir música ao vivo. É uma brisa de autenticidade, uma maré de genuinidade. É a Praia do Zé.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: Ah!… que saudades daquele Natal simples que se fazia no Algarve | Por Mendes Bota