A recente aprovação das alterações ao diploma que permite a construção em solos rústicos tem gerado um intenso debate em Portugal. O Governo defende que esta medida visa aumentar a oferta de habitação a custos controlados e travar a especulação imobiliária. No entanto, críticos alertam para os riscos de desordenamento territorial e degradação ambiental, questões que assumem particular relevância para o Algarve, uma região que já enfrenta forte pressão urbanística.
Há quem considere que esta alteração legislativa representa um “retrocesso perigoso”, apontando a falta de estudos que sustentem a sua eficácia. Para a arquiteta e ex-deputada Helena Roseta, esta lei não resolverá a crise da habitação, podendo, pelo contrário, intensificar a especulação imobiliária. A sua preocupação é pertinente, especialmente no Algarve, onde o mercado imobiliário tem sido dominado por interesses privados e pela valorização desenfreada dos solos.
O ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, contrapõe que esta medida “desbloqueará terrenos para construção habitacional urgente”, garantindo que 70% das novas edificações serão destinadas a arrendamento acessível.
Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos, reconhece alguns méritos na descentralização da decisão para as autarquias, mas sublinha a necessidade de mecanismos rigorosos para evitar abusos.
O Algarve, com a sua frágil ecologia e um turismo altamente dependente da paisagem natural, deve encarar estas alterações com prudência. Permitir construções em terrenos que até agora estavam protegidos pode comprometer recursos essenciais, como aquíferos e zonas agrícolas, essenciais para a sustentabilidade da região. Além disso, a falta de infraestruturas adequadas para suportar novas áreas urbanizadas pode agravar problemas de mobilidade e serviços públicos.
É verdade que o Algarve enfrenta uma crise habitacional, com preços de arrendamento e aquisição de imóveis a atingir valores insustentáveis para a maioria da população. No entanto, será que a solução passa por expandir a construção para zonas rústicas, ou deveria haver uma aposta mais forte na reabilitação de edifícios devolutos e na ocupação de terrenos urbanos já disponíveis?
Esta legislação levanta mais perguntas do que respostas. Para o Algarve, a sua aplicação deve ser acompanhada com extremo rigor, garantindo que não se abre caminho a um crescimento descontrolado, à mercê de interesses imobiliários.
A região deve ser um exemplo de ordenamento responsável, preservando a sua identidade e garantindo que o desenvolvimento seja sustentável e equilibrado. O futuro do Algarve não pode ser comprometido por decisões apressadas e de duvidosa eficácia.
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