O último artigo foi dedicado ao tema “Como tem evoluído a abordagem da figura humana nas artes visuais?” e verificámos que, neste âmbito, o corpo da mulher tem sido o principal tema ao longo da história de arte, pelo que este artigo é dedicado especificamente a este tópico.
Desde as primeiras figuras humanas, que remontam a várias dezenas de milhares de anos antes de Cristo, em particular a Vénus de Galgenberg e a Vénus de Willendorf, até à atualidade, a mulher tem-se mantido como principal objeto de inspiração artística.
Mesmo no Renascimento, embora o corpo do homem também comece a ser representado por alguns artistas, nomeadamente Leonardo Da Vinci, com o desenho “Homem virtuoso” (1490), e Miguel Ângelo, com a escultura “David” (1501-04), o corpo da mulher continuou a ser o principal objeto de inspiração artística, como foi o caso da escultura “Nascimento de Vénus”, de Sandro Botticelli (1485), em que a imagem da pureza e alguma vergonha feminina era evidente.
Dentro desta abordagem do corpo feminino, o tema “3 Graças” tem sido recorrente ao longo dos tempos. Da mitologia grega até à arte contemporânea estas três figuras personificam os ideais de beleza feminina correspondentes às diferentes épocas e artistas. Às “Graças”, consideradas deusas do amor, charme e fertilidade, era atribuído o poder de conferir aos artistas e poetas a habilidade para criar o belo. Nas primeiras representações plásticas, as Graças apareciam vestidas, mas mais tarde foram representadas como jovens nuas, de mãos dadas. Foi especialmente durante a Renascença que este tema se tornou recorrente na pintura, ocorrendo materializações a partir de obras anteriores. Foi o caso da pintura a óleo sobre cobre feita a partir da gravura de Agostino Carracci. Este tema foi também expresso por Rafael, por Rubens, por Delaunay, entre outros. Recentemente, em 2022, Pedro Cabrita Reis reinterpretou o tema “3 Graças”, através de 3 esculturas gigantes que foram expostas em Paris.
Dentro do tema do corpo feminino têm ocorrido outras obras de artistas que se influenciaram ao longo do tempo. Por exemplo, a “Vênus de Urbino”, de Ticiano (1538), terá sido baseada na “Vênus Adormecida” (1510), de Giorgione, e é possivelmente a inspiração para “Olympia”, de Manet (1863).
Ao longo da história, o corpo da mulher tem sido representado como símbolo de pureza, mas também de desejo, com algum erotismo mais ou menos explicito, como é o caso da pintura “O almoço na relva”, de Edouard Monet (1863), em que aparecem dois homens vestidos a conversar e uma mulher despida a olhar para o espetador, como que a envolve-lo ou a desafiá-lo. Esta abordagem da mulher como objeto de desejo sexual tem-se mantido até aos nossos dias, como expressa a pintura “Vivienne Westwood”, de Juergen Teller (2013). Neste âmbito, uma pintura que também se pode destacar foi feita por François Boucher, em 1752, intitulada “Louise O’Murphy”. Conta a história que, ao ver este quadro, o Rei Luís XV, da França, se apaixonou pela modelo, uma garota de 14 anos, tendo esta sido sua amante.
A pintura “A Grande Odalisca”, de Jean-Auguste Ingres (1814) é outra obra recheada de evidente erotismo, sendo considerada um nu provocador.
Mas esta abordagem do corpo da mulher nas obras de arte tem vindo a ser objeto de alguma contestação. Nesse sentido, as Guerrilla Girls, que se definem como “Gorilas justiceiras no mundo da arte”, decidiram dar uma cabeça de macaco à Odalisca de Ingres, tendo produzido o trabalho intitulado “Do women have to be naked to get into the Met Museum?” (“As mulheres têm de estar nuas para entrar no Museu Met?”) (1989). Esta era uma referência ao Metropolitan Museum, em Nova York. Na altura, era referido que menos de 5% das obras expostas no museu eram de mulheres, enquanto 85% dos nus eram femininos.
Numa iniciativa com propósito semelhante ao das Guerrilla Girls, Hannah Wilke havia criticado a tradição do nu de mulheres na arte na sua série fotográfica “SOS Starification Object Series” (1974). As imagens representam o corpo feminino marcado por objetos, que funcionam como uma alegoria do peso do olhar para o corpo feminino exposto. O objetivo da artista foi demonstrar a dor da mulher por ser contemplada apenas como mero objeto de desejo.
Assim, o corpo da mulher tem inspirado diferentes artistas ao longo da história de arte, sendo distintas as abordagens usadas, desde um símbolo de pureza, beleza e fertilidade, até um mero objeto erótico.
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes