No dia 31 de dezembro de 2022 tive oportunidade de visitar a exposição “Dos pés à cabeça” no Museu Coleção Berardo. Este foi o último dia desta exposição e foi também o último dia em que o museu teve esta designação, pois no dia 1 de janeiro de 2023 passou a designar-se Museu de Arte Contemporânea-CCB.
Independentemente deste pormenor, a representação da figura humana tem sido abordada por inúmeros artistas ao longo da história de arte. É também objeto de grande curiosidade por parte das crianças, sendo um dos principais temas dos desenhos feitos nos primeiros anos de vida. Por exemplo, ao ser solicitado o desenho da família, as crianças explicitam as figuras que para elas são mais significativas.
Tendo isto em conta, a curadora desta exposição, Cristina Gameiro, colocou como ponto de partida a obra “Retrato de uma criança com desenho”, do artista italiano Giovanni Caroto (século XVI), e a obra “Esperando o sucesso”, do artista português Henrique Pousão (século XIX). Em ambas as pinturas estão representados jovens sorridentes que mostram os seus desenhos da figura humana.
Mas, na história de arte, as primeiras figuras humanas remontam várias dezenas de milhares de anos antes de Cristo, no período Paleolítico, nomeadamente a Vénus de Galgenberg (cerca de 34.000 aC), por ter sido encontrada nesta cidade austríaca, com apenas 7,2 cm de altura, e a Vénus de Willendorf (aproximadamente 28.000 aC), encontrada na cidade com este nome, também na Aústria, com 11,1 cm de altura. Com os Romanos, destacamos a Vénus do Milo (150ac), escultura em mármore, descoberta em 1820, na ilha de Milo, e pertencente ao acervo do Museu do Louvre (Paris).
Mas é no Renascimento que a expressividade artística prolifera, variando os materiais e as técnicas utilizadas (sobretudo escultura, desenho e pintura), focando-se várias vezes as obras em partes do corpo, em vez de ser sobre o corpo como um todo.
No século XIX aumenta a diversidade de temas em que é integrada a figura humana, sendo exemplo “O grito”, de Edvard Munch (1893).
Esta diversidade na representação aumenta ainda mais no século XX, mas a mulher contínua a ser a principal fonte de inspiração artística, com obras a ela dedicadas pelos principais artistas dessa época, como sejam Amadeo Madigliani, Pablo Picasso, Henri Matisse e Yves Klein.
No século XXI, aumentou ainda mais a diversidade de forma de abordar o corpo humano. Uma das exposições mais conhecidas intitulava-se “Real Bodies – Descubra o corpo humano”, com uma mostra de dezenas de corpos em ação, mas em que são visíveis os músculos e os órgãos por baixo da pele. Esta exposição percorreu várias cidades do mundo, tendo contado com vários milhões de espetadores.
A abordagem de partes do corpo e a expressão emocional têm vindo também a ser aprofundadas, como ilustra a obra de Joaquim Ferro (2010), em que a posição das pernas e dos pés da figura pintada expressa a inibição e o medo sentido pela mesma.
Nos últimos anos têm sido aprofundadas novas formas de representação, nomeadamente através da performance e da instalação, em que o vídeo também surge como técnica artística privilegiada.
Retomando a exposição “Dos pés à cabeça”, esta foi uma mostra onde também o corpo de cada espetador é chamado a participar na concretização da obra de arte, nomeadamente através da obra “Blue” (“Azul”) de James Turrell (1967), através de uma projeção de luz azul sobre a parede. Ao colocar-se entre o projetor e a parede, o espetador adquire um papel ativo e vê a sombra do seu corpo imensa em azul.
Assim, tal como ao nível do desenho infantil, a figura humana tem sido um dos principais temas da história de arte, sendo marcada pelo aumento da diversidade de formas de representação ao longo dos tempos.
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes