A calçada portuguesa, essa arte que transforma o chão em história, está mais próxima de ser eternizada como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Na passada sexta-feira, a candidatura da “Arte e Saber-fazer da Calçada Portuguesa” foi entregue à Comissão Nacional da UNESCO, com o Algarve a destacar-se através da participação ativa do município de Faro. Para uma região onde os mosaicos de pedra são um espelho da sua identidade, este é um momento de celebração e de alerta.
Faro e o Algarve na vanguarda da candidatura
A Associação da Calçada Portuguesa, que encabeçou a iniciativa ao lado de mais de 50 calceteiros e com o apoio de oito municípios – entre os quais Faro, Braga, Estremoz, Funchal, Lisboa, Ponta Delgada, Porto de Mós e Setúbal –, sublinha a urgência de “preservar e promover esta arte, que corre o risco de extinção”. No Algarve, e em particular em Faro, a calçada portuguesa não é apenas um pavimento: é um traço cultural que desenha as ruas com padrões de calcário branco e negro, refletindo histórias de mar, sol e tradição.
O município de Faro, ao integrar esta candidatura, reforça o papel do Algarve como guardião desta herança. Mas o caminho não é fácil. António Prôa, secretário-geral da Associação da Calçada Portuguesa, já em 2021, aquando da inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, alertava para a preocupante redução de calceteiros: em Lisboa, de 400 em 1927, restavam apenas 18 em 2020, dos quais só 11 em atividade. No Algarve, a realidade não foge muito deste cenário, com a falta de mestres, a manutenção insuficiente e a concorrência de pavimentos modernos a ameaçarem esta arte milenar.
Uma herança que atravessa oceanos
A calçada portuguesa é muito mais do que um símbolo nacional – é uma ponte cultural que Portugal lançou ao mundo. Presente em países como Brasil, Angola, Moçambique, Espanha e até na China, com destaque para Macau, esta técnica ganhou relevância universal. No Algarve, onde o turismo pulsa, a calçada é também um convite aos visitantes para caminharem sobre uma história viva, gravada em pedra.
“Ao longo do tempo, a calçada portuguesa consolidou-se não apenas como uma das principais referências culturais, identitárias e estéticas do território nacional – continente e ilhas – mas também como um elemento fundamental da paisagem urbana, contribuindo para a identidade do espaço, da história e da cultura portuguesas”, defendem os promotores no comunicado divulgado hoje. Em Faro, os mosaicos que adornam praças e passeios são um testemunho dessa riqueza, que agora se quer imortalizar.
Um grito por preservação
Mais do que um reconhecimento, esta candidatura é um apelo. A Associação da Calçada Portuguesa não hesita em chamar a atenção das entidades públicas: “Esta candidatura serve também como um apelo às entidades públicas, nacionais e locais, para que se comprometam com a preservação e promoção desta arte que deve ser assumida como um ativo estratégico para a afirmação de Portugal”. No Algarve, onde a calçada faz parte do dia a dia, este pedido ganha eco. A diminuição de calceteiros, aliada à falta de manutenção e ao avanço de outros tipos de pavimentos, coloca em risco um património que é também um atrativo turístico e cultural.
A história da calçada portuguesa remonta a uma técnica específica que nasceu em Lisboa na primeira metade do século XIX, expandindo-se depois por todo o país e além-fronteiras. No Algarve, ela encontrou terreno fértil para se enraizar, tornando-se parte da alma da região. Mas sem ação concreta, esse legado pode desvanecer-se.
O futuro à espera da UNESCO
Com a candidatura entregue, cabe agora à Comissão Nacional da UNESCO decidir o destino desta arte. Para o Algarve, e especialmente para Faro, o reconhecimento como Património Cultural Imaterial da Humanidade seria mais do que uma honra – seria a garantia de que a calçada portuguesa continuará a contar as histórias da região às gerações futuras. Resta esperar que este passo firme no chão algarvio ecoe pelo mundo, inspirando novos calceteiros a pegar no martelo e na pedra, para que esta tradição nunca deixe de pisar o presente rumo à eternidade.
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