Por baixo corre uma cidade escondida. O fascinante mundo de uma mina subterrânea a 230 metros de profundidade com mais de 45 quilómetros de galerias. A única mina de sal-gema portuguesa visitável, num percurso de mil e trezentos metros, situada abaixo do nível do mar.
Vindos de cima, escutam-se os passos de uma cidade que é o centro administrativo de um extenso território que vai do interior serrano, na fronteira com o Alentejo, até ao mar. Loulé, o maior concelho do Algarve, tem a marca de uma paisagem diversa e de fortes contrastes: a zona da serra despovoada, pobre, a caminho da desertificação e um litoral cosmopolita, rico e populoso.
A 125 é a fronteira entre estes dois algarves. Para sul respira-se a maresia, os hotéis, os bares e as discotecas, com a diversão na roleta dos casinos nas noites mágicas do verão. Mais a preguiça estendida ao sol nas praias de Vilamoura, Quarteira, Vale do Lobo, Quinta do Lago ou Vale Garrão. É o Algarve do turismo e dos políticos em férias. Mais os ingleses, os alemães e os nórdicos. Portugueses também.
A norte da estradinha lenta, a linha divisória dos dois mundos vai dar a outros caminhos: à serra e a uma zona intermédia chamada barrocal, que não é uma coisa nem outra. É uma espécie de limbo onde os sentidos começam a prender-se a sensações novas. O reencontro com a natureza verde álacre da paisagem. O cheiro da esteva e do rosmaninho. O mesmo céu azul. O mesmo mar que se avista ao fundo…
Ali, em qualquer canto de uma taberna de mesas corridas, chega o sabor de uma cozinha com a primeira matança do ano, o pão acabado de cozer no forno em abóboda de pedra, o vinho e o medronho a ferver clandestino no alambique artesanal.
Loulé é um mosaico de luz e de cores. E nas suas aldeias de casas brancas com barras azuis em torno delas e das janelas, com chaminés e platibandas rendilhadas, há um mundo a descobrir: Salir, Boliqueime, Tôr, Alte, Querença e Ameixial. Um outro Algarve por detrás do biombo, de onde chegam as modas antigas e os remédios de uma espantosa farmácia popular colhida nas ervas do campo.
Na linha do tempo, a história regista que os romanos já iam a “banhos” a Vilamoura, onde deixaram vestígios e vários centros de salga e conservas de peixe. Mais para o interior, habitaram o local onde hoje se ergue o castelo da cidade. E antes já haviam passado por lá os fenícios e depois, os árabes.
Loulé não ficou a ver passar os navios das descobertas que fizeram o engrandecimento de Lagos, Faro e Tavira, e nem deixou de ter papel importante nessa epopeia. Sobretudo, em homens e bens. A sua produção de frutos secos e a riqueza das pescas, foram contributos importantes para o abastecimento das naus que buscavam outros caminhos.
Basta ter em conta, por exemplo, que já no reinado de Afonso III, a zona de Quarteira, abrangendo o território que hoje coincide com Vilamoura, era uma extensa e próspera propriedade agrícola da coroa portuguesa. A Casa dos Barretos, como viria a ficar conhecida, foi doada mais tarde por D. João I, a troco do senhorio de Sernache dos Alhos, a Gonçalo Nunes Barreto, alcaide mor de Faro, e foi este quem instituiu o Morgado de Santa Catarina de Quarteira.
A Casa passaria, ao tempo de D. João III, para a posse de Nuno Rodrigues Barreto, quinto Morgado de Quarteira. O seu irmão, Francisco Barreto, foi vice-rei da Índia e governador do reino dos Monomotapa, em Moçambique.
O palacete que Nuno Barreto partilhou com Leonor de Milão, sua mulher, ainda lá está na quinta que é conhecida pela estalagem da Cegonha, no limite poente de Vilamoura. Ali nasceu e se fez donzela, Francisca de Aragão, que ficaria para a história pela sua suposta ligação amorosa a Camões nos jogos de galanteios poéticos na corte de Dª Catarina, mulher de D. João III. No final, acabaria por casar com o embaixador de Espanha em Lisboa, Juan Borja, e por via disso se tornou condessa de Ficalho e frequentou as cortes mais faustosas da Europa.
Além dos encantos da sua história e da diversidade da sua paisagem, há visitas a não perder: desde logo, a zona histórica com o castelo da primitiva povoação que integrava um conjunto de muralhas com cerca de 940 metros de perímetro. Sobre as ruínas de uma antiga mesquita foi construída a Igreja Matriz de S. Clemente, com porta lateral gótica e fachada com pórtico ogival.
E há ainda a Igreja de S. Francisco, a Ermida de Nª Sra da Conceição, o Convento do Espírito Santo e também o Convento da Graça, do qual apenas resta o portal gótico da igreja. E já a sair da cidade fica o Santuário de Nª Senhora da Piedade, mais conhecido por Mãe Soberana, local de culto mariano tido como a maior manifestação religiosa a sul de Fátima.
De construção mais recente – início do século XX – ao lado do edifício da câmara municipal e a meio da avenida da cidade por onde desfila o Carnaval de Loulé, localiza-se o mercado do peixe, frutas e hortaliças que em termos arquitetónicos adoptou o estilo revivalista de inspiração árabe.
Ainda mais para o interior, a cerca de dez quilómetros de distância, a estrada, já a subir, contorna a aldeia e vai dar a um largo com um cruzeiro apontando o azul do céu e o branco da igreja, onde, quando chega janeiro, se celebra a festa das chouriças num leilão concorrido de entusiasmo popular. Uma manifestação religiosa e profana que as gentes de Querença encontraram para agradecer a S. Luís por ter protegido o animal, sustento do ano inteiro em tempos de dificuldades maiores. E para aqueles lados, depois de saciar a sede na água fresca da fonte da Benémola, pegue a estrada em direção a Salir, e não deixe de olhar os restos do castelo onde o mestre de Santiago, D. Paio Peres Correia, aguardou a chegada do exército de D. Afonso III para o assalto final a Faro.
Já quase no meio da serra – ao pé de quatro montes – fica Alte, no dizer de muitos, a aldeia mais típica do Algarve. Entre na igreja, mandada edificar no século XIII pela mulher do segundo senhor de Alte, como agradecimento por este ter regressado são e salvo da oitava cruzada à Palestina. Por perto, como refrigério para os dias de maior calor, encontra o sítio das fontes – a grande e a pequena – e a Queda do Vigário, uma pequena cascata com 24 metros de altura. E no regresso ao mar, vá por S. Lourenço de Almancil e aprecie a beleza dos azulejos de 1730 que revestem as paredes, a abóboda e a cúpula da capela.
Loulé guarda a magia e os saberes que recriam artes e ofícios antigos em vias de extinção. Ainda se pode encontrar quem vá trabalhando o barro, o cobre, o latão, o ferro e a madeira. E um pouco por todo o lado, trabalhos artísticos em empreita da folha de palma com que se fazem chapéus, alcofas, capachos e outros objectos de tempos passados.
Perto e longe, aqui convivem, lado a lado, realidades distintas mas que se completam: o mar e a serra; a água e o verde da natureza; as discotecas barulhentas e trepidantes e um céu estrelado de silêncio inspirador.
Terra do Aleixo e da Tia Anica, Loulé é um abraço com cheiro a maresia, a alecrim e a rosmaninho. É a moda que desce a encosta e chega cá abaixo nas voltas de um corridinho!
Fontes: Publicações C. M. Loulé e RTA; outras.