A codificação milhares de diplomas legais
As normas que regulam o planeamento e a gestão do território envolvem um extenso leque de domínios jurídicos, teóricos, práticos, conceitos técnicos e até procedimentos não regulamentados.
Quando há quatro décadas assumi a responsabilidade pelo setor administrativo da gestão urbanística da autarquia de Albufeira, na altura, perante a “explosão urbanística”, num só ano o setor por mim dirigido emitiu “licenças de obras” para construção de edifícios no total de 733.000 m2, englobados em 3000/4000 processos e mais de meia centena de alvarás de loteamento (não vigorava a legislação que permitia os condomínios sem loteamento…).
Afinal, cada projetista, cada técnico municipal, dispunha e dispõe ainda do seu próprio “Código do Urbanismo”
Sentia por isso a necessidade imperiosa de criar e manter disponível e atualizada uma base de dados normativa, estruturada, que me permitisse ter acesso às disposições legais aplicáveis a cada tipo de operação urbanística, quer de edificação, de utilização, de uso ou transformação do solo.
A estrutura normativa da gestão urbanística
A Inspeção Geral da Administração do Território (IGAT), em funções na época, desenvolvia sistemáticas ações de fiscalização, rigorosas e pormenorizadas…
Em resposta ao desafio lançado pelo então presidente da ATAM, o saudoso Artur Vieira Dias, apresentei no colóquio nacional daquela prestigiosa organização, em Setúbal, o meu primeiro livro, “O Manual do Licenciamento de Obras Particulares”, anotando qual o diploma que aprovou o primeiro código do imposto municipal de imóveis, comentando o DL 445/91 e incluindo a legislação complementar regulamentar, partes da lei das autarquias, dos Códigos Civil, Tributário, Processo Penal, Procedimento Administrativo, REN, RAN, Servidões e tantas outras matérias…
A formação que realizava frequentemente, partilhando a informação e a prática com os meus colegas de outras câmaras e a experiência prática intensiva, como dirigente urbanístico, enriqueceram a informação a que tinha acesso.
Posteriormente, publiquei livros de conteúdo adequado e análogo sobre: Os Regimes Jurídicos Anotados e Comentados, sobre Empreendimentos Turísticos, de Restauração e Bebidas, sobre Espetáculos e Divertimentos, na medida em que são largas centenas as unidades mistas em Albufeira – com divertimentos, música ao vivo, “karaoke”… Posteriormente, publiquei obras sobre o “Licenciamento Zero – DL 48/2011” e Atividades Económicas, DL 10/2015, que envolvem centenas de diplomas sobre atividades e profissões regulamentadas e ainda, Alojamento Local… etc.
A ausência de codificação do Direito do Urbanismo sempre representou uma grave lacuna no planeamento e na gestão urbanística
Tudo isto, para partilhar convosco um episódio paradigmático que na época me foi relatado pelos próprios intervenientes.
Antes da apresentação de um projeto relativo a um importante empreendimento turístico realizou-se, naquela altura, uma reunião na CCDR com responsáveis, técnicos, promotores e projetistas para análise do processo, pelo seu impacto na área.
No final da reunião, a conclusão foi a seguinte: o processo, embora completo, “perfeito” e em discussão, compreensivelmente extenso, trabalhoso e complexo, não poderia ser apresentado às entidades, simplesmente porque o projetista, na sua elaboração, havia utilizado, diplomas legais revogados…
Os seja, todos os participantes na referida reunião, os projetistas que elaboraram os estudos e projetos, utilizaram o seu tempo e energias num trabalho inglório, apenas e tão só por erro na aplicação das normas legais e regulamentares, que na época regulavam toda a pretensão.
Não se tratou de situação única…
O volume, extensão e complexidade das matérias envolvidas no planeamento e na gestão urbanística são impressionantes
Afinal, cada projetista, cada técnico municipal, dispunha e dispõe ainda do seu próprio “Código do Urbanismo”.
O “volume”, a complexidade e a transversalidade das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao planeamento e à gestão urbanística multiplica-se com o decorrer do tempo.
Entretanto, os Regulamentos Comunitários acrescentaram exigências e dificuldades.
Quanto mais legislação é publicada, mais premente se torna a necessidade da codificação normativa, sustentada numa base de dados, “técnico/jurídica”, confiável, simples e objetiva, que sirva os intervenientes no processo urbanístico.
Esta codificação constituirá a base de desenvolvimento do trabalho de projetistas, técnicos municipais, autarcas, diretores de obras, construtores, juristas, promotores, ou seja, de todos os agentes envolvidos na gestão urbanística.
Este compêndio jurídico representa, acima de tudo, uma ferramenta que servirá os interesses da sociedade, cujo bem-estar, não só a dinâmica socioeconómica, depende do nível de qualidade do planeamento e da gestão urbanística.
O maior desafio, sem a conveniente articulação entre as matérias envolvidas a eficácia do código ficará comprometida
Um dos principais obstáculos a enfrentar na conceção deste sistema jurídico assenta na dificuldade extrema que o legislador manifesta, ainda, sem a existência do ansiado código na articulação dos regimes legais complementares e suplementares, bem como, na redundância normativa.
Pela importância do território nas nossas vidas, todos pretendemos um Código do Urbanismo, simples e estruturado, contemplando as etapas sequenciais do processo, ou seja, que sirva com objetividade os interesses da sociedade…
Veremos…
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