“Estamos a perder a cidade e ao mesmo tempo a perder-nos uns dos outros”.
Marc Augé (1935-2023), antropólogo francês
Vitrúvio (sec. I d. C) escreveu “De Architectura” (10 vol.), o mais completo tratado da Antiguidade romana sobre a disciplina que estuda a forma como o Homem concebe e constrói a sua habitação e as urbes, e também outros espaços de que necessita para a vida em comunidade.
A arquitectura integra desde o Renascimento as Belas Artes, a História da Arquitectura acompanha a periodização da História da Arte.
“Arquitectura portuguesa” é uma classificação que exige ponderação, Portugal recebeu influências de diferentes origens, mas o que determinou a forma de construir são os climas, solos, materiais disponíveis, valores e heranças culturais, estruturas sociais…
Permanecem muitos elementos da romanização (séc. II a. C a V d.C,) para além da língua, das villae, templos, termas, pontes, aquedutos, redes viárias,… O urbanismo concentrado do período muçulmano (séc. VIII a XII) com formas de construir integram a nossa herança cultural.
Há que distinguir a arquitectura monumental-palaciana promovida pelas classes senhoriais e elites de poder, da arquitectura popular ou vernacular das periferias marítimas e ruralidade.
Mudanças acompanharam as transformações territoriais, o românico de origem franca e cruzadística resultou das concepções e práticas monásticas, sobretudo de Cluny e Cister.
A sul poucas são as construções com características românicas, marcas existem em Torres Vedras, nas catedrais de Lisboa e Évora, igreja de Santa Catarina em Monsaraz… A norte são frequentes elementos românicos em Entre Minho e Douro, Sé Velha de Coimbra, nas diversas igrejas de nave única, com a intersecção do transepto a definir o símbolo da cristandade, a cruz.
A partir do séc. XII o gótico emerge da paz relativa, produtividade agrícola e recursos disponíveis.
À medida que o avanço militar vindo do Norte se consolida a sul, a guerra deixou de ocupar as mentes e acções, surgiu em Portugal um gótico “tardio”, assim considerado pelo atraso do seu aparecimento, estilo que evidencia a abertura à luz, ao mundo natural e valores humanistas.
A mais antiga e relevante construção gótica é o Mosteiro de Alcobaça, erigido entre 1195 e 1252, reconhecido pela sua monumentalidade e dimensão e pela UNESCO como Património Mundial, abundam exemplares góticos em Santarém, Tomar, Évora, Lisboa… Afonso Domingues que dirigiu a construção do mosteiro da Batalha, reivindicou a autoria perante D. João I, “este edifício é meu, porque o gerei, porque o alimentei com a substância da minha alma”.
O gótico assinala consolidação da nacionalidade com a dinastia de Avis e a expansão marítima.
Em época de transição e conflitos, decorrentes do estertor do regime aristocrático-feudal, de centralização do poder real, surgem no País inúmeras construções militares que se estendem aos territórios de Além-Mar, no estilo “manuelino” se inscrevem as viagens, esferas, pirâmides, motivos marinhos e vegetalistas, coordoaria,…
Revestimentos de paredes marcam as artes portuguesas nos séculos seguintes, o azulejo da tradição hispano-mourisca com desenhos geométricos insere o figurativo da mitologia greco-romana, das navegações portuguesas, dos contactos com outras terras e povos, cenas da tradição religiosa e da vida rural. Imprescindível é uma visita ao Museu do Azulejo em Lisboa.
À renovação renascentista ficaram ligados Francisco Arruda que concebeu a Torre de Belém, Diogo Boitaca e João Castilho no mosteiro do Jerónimos, o Convento de Cristo em Tomar com Diogo Torralva, concluído por Filippo Terzi, entre outras arquitecturas eruditas e populares.
Referência do pensamento arquitetónico do século XVI é a obra “Da fábrica que falece a cidade de Lisboa” de Francisco de Holanda, considerado o primeiro historiador de arte europeu.
No século XVII, limitações económicas e a perda da nacionalidade contribuíram para um “estilo chão”, de linhas simples e escassa decoração. No século seguinte irrompe o exuberante e rico barroco, sobretudo com D. João V e o emblemático Palácio Nacional de Mafra, erigido entre 1717 e 1730, dotado de paço real, basílica, convento e jardins, projecto do alemão Ludwig.
O iluminismo impulsiona a reconstrução de Lisboa e do sul do País no pós-terramoto de 1755, inicia-se a industrialização. As cidades são eixo de circulação de mercadorias e entreposto portuário e ferroviário, estabelecem-se zonas burguesas residenciais, jardins, alamedas, passeios públicos, a construção em altura, os trabalhadores das fábricas vivem nas periferias.
E a actualidade? Na cidade dita “global”, criação do capitalismo financeiro ultraliberal, os fundos imobiliários compram e especulam, promove-se o turismo massificado nos centros históricos, que o Estado faça aeroportos e portos de cruzeiros, os privados querem autorizações para mais hotéis de curta estadia, as multinacionais parasitam os monumentos, restauração “estrelada” vende “conceitos”, há “fast-food” para o carrossel de visitantes classe média.
A gentrificação significa exclusão dos habitantes, lugares sem alma e memória, cultura encenada e virtual, arquitectura híbrida sem identidade local. Tudo é global, obviamente insustentável…
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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