Uma ‘chatroom’ digital onde o público é convidado a entrar e refletir em conjunto sobre a crescente comunicação por imagens e sons é a nova proposta artística de Ana Borralho & João Galante, a estrear-se em outubro, em Lisboa.
O que pode resultar deste desafio ao público “é imprevisível”, mas o artista João Galante acredita que será “muito interessante como exercício de liberdade, e de comunicação”, declarou, em entrevista à agência Lusa, sobre a estreia da performance, prevista para 13 e 14 de outubro no Teatro do Bairro, no âmbito da BoCA – Bienal de Arte Contemporânea.
“A obra vai ser uma colagem virtual em conjunto, ao longo do espaço, e do tempo. Há uns anos, poderíamos fazer uma colagem com papel e tesoura, e hoje fazemos uma colagem com ima- gens e com sons”, observou o artista que partilha vinte anos de vida comum e de criação artística com a algarvia Ana Borralho, num percurso na dança, performance, instalação e fotografia.
A ideia germinou na peça anterior, “Romance Familiar ou a Realidade Aumentada” (2019), uma visão “apocalíptica”, sobre “o fim de um determinado tipo de humano”, com menos corpo e cada vez mais máquina, numa altura em que a Inteligência Artificial ainda não era um tema tão presente. Apesar de esse trabalho anterior falar do crescimento da tecnologia na vida em sociedade – através de assistentes virtuais, redes sociais, telemóveis cada vez mais sofisticados, e outros equipamentos e serviços digitais em todas as áreas, da saúde ao entretenimento – o trabalho da dupla de artistas continua a ter as pessoas no seu centro.
“Desta vez será o público a participar usando os seus telemóveis” para uma criação coletiva que acreditam poder “chegar a um sítio mais interessante, refletindo sobre o que é uma comunidade na era digital, e o que é pensar a imagem neste espaço virtual”.
Em “Chatroom”, os visitantes da sala virtual serão imersos num ecrã de vídeo que abrange o horizonte, e convidados a escolher um nome de usuário e um ´avatar´, de forma a construir uma identidade digital única, trocando mensagens visuais ou sonoras entre si, refletindo sobre temas como a paisagem, a presença, a solidão, a identidade, a vulnerabilidade e a empatia, enquanto a linha que separa a realida- de virtual e a experiência humana se torna cada vez mais ténue.
“Estes temas serão criados com o público. Nós não vamos dizer quais os temas para falar, mas esperamos conduzir o público, para que se possa aprofundar a conversa, nunca dizendo as palavras paisagem, solidão, identi- dade, por exemplo. Podemos colocar uma imagem de paisagem e a conversa seguir esse tema, mas inserir depois uma pessoa e continuar por esse lado”, explicou o artista.
Os artistas acreditam que a linguagem contemporânea vai continuar a usar cada vez mais imagens e sons: “As imagens estão a ser usadas de forma mais corriqueira e leviana do que as palavras. Aparentemente, as pessoas estão a entender melhor as imagens do que as palavras”.
“Chatroom” pretende ser “uma experiência que ilumina a complexidade das relações humanas no mundo con- temporâneo”, uma meditação coletiva que, em vez de afastar, desperta a necessidade de conexão e compreensão entre seres humanos virtualmente conectados.
Habituados a trabalhar com a participação do público nas peças, o processo criativo passa por “dar liberdade pa- ra participar ou não, e criar poucas regras. A perspetiva desta dupla de artistas é simples: “As pessoas querem participar, não sendo obrigadas a isso”. “Se colocarmos o dispositivo aberto a que a narrativa seja construída com o público, as pessoas deverão participar, mas é sempre um risco, e isso é o nosso trabalho”, disse, acrescentando que vai existir a possibilidade de ser-se anónimo dentro do ´chat´.
A importância da inclusão do público nas obras artísticas está também relacionada com a ideia de que “o indivíduo se torna comunidade no teatro”, apontou o artista, sublinhando que o objetivo deste novo trabalho é “chegar a algum lado juntos, num processo sério, mas nunca intrusivo, nem a pensar em fazer palestras sobre o tema”.
“Sendo uma obra de arte, gostaríamos que não fosse conclusivo, mas que as pessoas saíssem com perguntas para refletir ou refletirem durante o processo da peça”, comentou, sobre a criação que tem conceito e direção artística de Ana Borralho & João Galante, colaboração artística e dramatúrgica de Fernando J. Ribeiro, e ainda a colaboração de Ana Freitas, Inês Coias e Tiago Gandra.
Ana Borralho, nascida em Lagos, em 1972 e João Galante, nascido em Luanda, em 1968, conheceram-se quando estudavam artes plásticas na escola Ar.CO – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa, e trabalharam regularmente com o encenador João Garcia Miguel.
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