As últimas eleições legislativas, que levaram mais de seis milhões de portugueses às urnas, no passado dia 10 de março, pintaram politicamente o país de uma forma inesperada. Ao cor-de-rosa socialista e ao cor-de-laranja dos sociais-democratas junta-se agora o azul do Chega. O Algarve tornou-se no bastião do partido liderado por André Ventura, que em termos absolutos se superiorizou no distrito de Faro ao PS de Pedro Nuno Santos e à Aliança Democrática – AD de Luís Montenegro.
A AD sucedeu à maioria absoluta do PS, mas o tema de conversa é o Chega e a sua escalada meteórica. O número de votantes triplicou, a percentagem mais que dobrou e a representatividade na Assembleia da República é histórica: passou dos 12 deputados de 2022 para 48 em 2024.
Curiosamente, e apesar do resultado expressivo em terras algarvias, foi o PS que mais concelhos encabeçou (10). Os restantes 6 ficaram entregues ao Chega, o que fez com que a AD não ganhasse qualquer concelho. Ainda assim, os três partidos conseguiram eleger o mesmo número de deputados pelo círculo eleitoral de Faro: 3.
O Chega ganhou em Albufeira, Lagoa, Loulé, Olhão, Portimão e Silves. São seis dos concelhos mais populosos do sul do país, o que em número de votantes foi suficiente para ficar à frente dos 10 concelhos que ficaram entregues aos socialistas.
Contas feitas, o Chega superiorizou-se em terras algarvias com 27,19 %, o que em termos absolutos significa 64.228 votantes, contra os 60.123 do Partido Socialista (25,46%) e os 52.885 da Aliança Democrática (22,39%). Se recuarmos dois anos no tempo, até 2022, os resultados foram bem diferentes. Nessa altura, o Chega foi apenas a terceira força partidária no distrito de Faro, conquistando 23.998 votos, 12,30% e elegendo apenas um deputado por Faro. Nestas legislativas consegue assim um resultado histórico, ganhando terreno aos seus rivais, enquanto PS e AD tiveram valores menos expressivos.
Voto de protesto?
Muito se ouviu falar na expressão ‘voto de protesto’ como justificação ao que se passou em termos eleitorais no Algarve. Aliás, durante a campanha eleitoral, o próprio André Ventura referiu-se a essa hipótese. “O voto de protesto não é nada de despiciendo. O voto de protesto é um país cansado de ser roubado e de andar há 50 anos a trabalhar para sustentar quem não quer fazer absolutamente nada”.
André Freire, professor catedrático e politólogo, falou mesmo num “voto de protesto em grande volume” na análise aos resultados globais destas eleições.
Sobre o que se passou a sul, André Freire disse à agência Lusa que apesar de não ter dados concretos, tal escolha dos algarvios pelo Chega se pode dever, em parte, à existência de muitos estrangeiros na região, sejam eles turistas ou trabalhadores precários.
“Grupo de ódio e extremista”
“Voto de protesto” ou não, há algo que não é possível ignorar, pois o Chega está longe de ser um partido consensual.
Muitos apelidam-no de ser oportunista ou até mesmo antidemocrático, muitas vezes associado a posições homofóbicas, xenófobas e racistas. A ponto de um relatório do Projeto Global contra o Ódio e Extremismo, dos EUA, ter classificado o partido de André Ventura de “grupo de ódio e extremista”, que tem “trabalhado para envenenar o discurso nacional com uma retórica racista, antiLGBTQ+, anti-imigração e anticiganos”.
Seja qual for a motivação que levou cada algarvio a votar no Chega, certo é que é notória esta inclinação para um lado mais extremo da direita, isto quando Portugal está a cerca de um mês de celebrar os 50 anos da Revolução dos Cravos.
Círculo eleitoral de Faro elege nove deputados
Do total de 382.586 algarvios aptos para votar, 236.193 dirigiram-se às dezenas de mesas de voto instaladas nas 67 freguesias que compõem os 16 concelhos do distrito de Faro. O número de votos representa assim uma abstenção de 38,26%, valor superior à média nacional (33,77%).
Dos resultados do distrito de Faro fazem parte os 3.407 votos em branco (o que representa 1,44%) e os 2.779 (1,18%) que foram considerados nulos durante a contagem final. Contas feitas, PS, AD e Chega conseguem eleger o mesmo número de deputados pelo círculo eleitoral de Faro, nomeadamente 3 cada um.
Pelo Chega foram eleitos Pedro Pinto, presidente do grupo parlamentar e adjunto na direção nacional do Chega, João Graça e Sandra Ribeiro.
Os socialistas elegeram Jamila Madeira, Jorge Botelho e Luís Nunes. Já a AD senta na Assembleia também três deputados pelo Algarve: Miguel Pinto Luz, Cristóvão Norte e Ofélia Ramos.
- Por João Tavares
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