A PRAGA DA EDIFICAÇÃO CLANDESTINA: DA NECESSIDADE AO ABUSO
Já aqui abordei várias vezes este tema. Voz solitária, grito abafado à vista de toda a gente. E volto a ele hoje, aqui e agora, porque a situação assumiu foros de descontrole total, terra sem lei, ausência de autoridade do Estado seja ela policial, judicial ou autárquica. O Algarve está a ser assolado por uma onda, um vírus, uma tendência imparável de implantação clandestina de alojamentos em forma de casas pré-fabricadas ou contentores por toda a parte. Não importa onde, brotam como cogumelos a cada dia que passa. Não existe um padrão, nem um mínimo de sentido estético, paisagístico ou ambiental. Áreas de protecção ecológica ou agrícola foram mandadas às urtigas. Só existem no papel para os burros que teimam em pedir autorização para licença municipal. São aos milhares com certeza de crescimento exponencial. Não se vislumbra o mínimo esforço das autarquias, da AMAL, da CCDRA, ou do Governo para, concertada ou isoladamente, colocar um travão nesta calamidade.
Depressa o Algarve estará pejado de acampamentos, favelas, de estruturas provisórias que todos sabemos vir para ficar em definitivo. É a velha prática do facto consumado. As empresas distribuidoras de electricidade já não exigem licença de habitabilidade para vender luz, e mesmo que o exigissem, o solar fotovoltaico supriria a falta. E quem tem luz, tem furo para captar água, se a rede pública não lhe passar ao lado. Para o esgoto, faz-se uma fossa. A contaminação dos caudais de água subterrâneos, que se lixe.
Da necessidade de arranjar alojamento para os trabalhadores da construção, da hotelaria, da restauração, das obras públicas, passou-se para a exploração infame de pobres desgraçados que precisam de um tecto, e se sujeitam a pagar parte substancial de magros salários para ter uma cama onde dormir. Diz-se que há máfias da imigração a operar este modelo de negócio. Mas isto não prospera apenas na desgraça. Há também oportunismo.
Casas de madeira com carros e motas de alta cilindrada à porta. Ninguém investiga isto? É este o Algarve de qualidade que queremos? Não se trata de um regresso ao terceiro mundismo. É um ingresso. Terra de contrastes sociais e económicos. Em paralelo com condomínios fechados e privados de luxo, surgem estas novas aldeias ainda sem nome a partir do nada. Actualizem a cartografia, já! E tem mais. No paraíso da clandestinidade, não se pagam impostos. IMI, que é isso, mano, que é isso, meu, what’s that, bro?
Ficou exemplar uma história com quinze anos. Durante uma sessão pública de uma importante câmara municipal do Algarve, um emigrante algarvio nos Estados Unidos da América questionou o executivo por ter aprovado a construção de um conjunto de moradias (em alvenaria) num terreno que lhe pertencia. O queixoso só vinha ao Algarve de tempos em tempos, e foi surpreendido ao ver um conjunto habitacional edificado no que lhe pertencia.
Surpreendida ficou também a autarquia, desconhecedora em absoluto de qualquer processo de obras a correr nos serviços técnico-administrativos. Comprovada clandestinidade, sem dúvida. Instruída a contraordenação, marcada a demolição das moradias, contratada uma empresa especializada na função, convocada a GNR para garantir a segurança do acto eis que, à última hora e já com as máquinas de quilha em riste para executar a tarefa, surgiu um advogado exibindo uma providência cautelar emitida por um Tribunal, e tudo parou. Até hoje! Não se sabe como tudo se terá resolvido, mas o abuso compensou.
OLÍMPICOS ALGARVIOS
Portugal levou 73 atletas às Olimpíadas de Paris ora terminadas. Entre eles estavam oito que nasceram na região ou representam clubes algarvios, a saber para a história: Ana Cabecinha, Isaac Nader e Fatoumata Diallo, no atletismo; Yolanda Hopkins, no surf; Miguel Nascimento, na natação; Eduardo Marques, na vela; Gabriel Albuquerque, na ginástica; e Daniela Campos, no ciclismo. Não deixa de ser notável que uma região como o Algarve que tem cerca de 4,5% da população residente de Portugal, tenha tido 11% da representação nacional.
Estão todos de parabéns, atletas, treinadores, dirigentes. Honraram a região, independentemente dos resultados num evento com tão elevado nível de competitividade.
O destaque vai obviamente para a mãe-atleta Ana Cabecinha, que encerrou um ciclo brilhante de cinco presenças olímpicas. E, claro, para o Gabriel Albuquerque, o jovem ginasta de Loulé cujo 5º lugar promete ser o trampolim para mais altos voos.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: No Algarve, temos custos de algarvialidade, mas ninguém nos acode | Por Mendes Bota