No passado dia 20 de junho realizou-se, em Faro, o seminário “Em Faro, a violência não se aceita, ponto!”.
Tratou-se de uma organização conjunta entre o Município de Faro, a Comissão de Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, a Direção Geral de Estabelecimentos Escolares e a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.
Como ponto de partida para a discussão do tema, esteve a campanha nacional de prevenção da violência ao longo do ciclo de vida “Não se aceita, ponto!”, recentemente lançada por aquelas três entidades. Esta campanha pretende prevenir e quebrar os ciclos de violência ao longo da vida, sensibilizando e mobilizando a sociedade para a necessidade de sinalizar todas e quaisquer práticas ou indícios de situações de violência, nas suas várias formas: física, psicológica, sexual ou outra.
O vídeo da campanha pode ser visto em (https://www.youtube.com/watch?v=um1Pbj9DviI)
E bem precisamos deste tipo de campanhas, para pôr fim às inúmeras situações de violência, muitas vezes resultantes de ciclos intergeracionais de violência que se perpetuam e teimam em não quebrar.
Os números são claros e assustadores. O Instituto Nacional de Estatística, no seu Inquérito à segurança no espaço público e privado 2022, refere que 1 em 5 pessoas já foi vítima de assédio persistente. Refere ainda que, ao longo da vida, 45% das pessoas já viveram situações de violência. As mulheres, os jovens e a população mais escolarizada são grupos em que a violência é mais prevalecente.
A leitura do relatório de 2023 da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) revela-se igualmente preocupante, sinalizando o atendimento de 14.472 vítimas a nível nacional, o que representa um aumento, face a 2019. Prevalecem as situações de violência doméstica, incidindo sobre a faixa etária dos 35-44 anos e sobre as mulheres. Em muitos casos, a violência dura anos ou mesmo décadas (de acordo com as estatísticas da APAV, 17% das vítimas atendidas encontram-se nessa situação há mais de 12 anos).
Os autores são maioritariamente homens, na faixa etária 25-54 anos, numa relação pai/filho ou de cônjuge.
A violência ocorre maioritariamente na residência comum, seguindo-se a casa da vítima e a net e/ou telefone.
Em muitos casos, não é registada queixa, por falta de informação e/ou acesso aos canais destinados em efeito.
Como bem sabemos, e diversos estudos internacionais demonstram, a pobreza e a violência doméstica encontram-se muitas vezes ligadas. O stress financeiro origina conflitos familiares. A dependência económica perpetua os relacionamentos, mantendo as situações de agressão. Nos ambientes sociais vulneráveis muitas vezes faltam recursos e conhecimento para aceder a apoio externo, que poderá ser jurídico, social, entre outros. Também sabemos que em Portugal os últimos anos têm sido caracterizados pela existência de muitas dificuldades económicas das famílias.
Importa tomar medidas para mitigar e, se possível, erradicar o fenómeno da violência.
As ações de comunicação, informação e sensibilização assumem o papel fundamental. A informação é um fator chave no combate à violência, ao permitir o acesso aos meios necessários à denúncia e proteção, por parte de quem dela precisa.
Importa reforçar as estruturas e redes de apoio. Dizem as estatísticas que 55% das vítimas recorrem à família em caso de violência, 20% a amigos, mas 15% não têm a quem recorrer.
É um trabalho que tem de ser feito em rede, por um conjunto alargado de parceiros, pois as causas da violência são, muitas vezes, diversas, e as suas consequências exigem intervenções pluridisciplinares.
É necessário aumentar a oferta de alojamento para as vítimas de violência doméstica, em quantidade e género (nesta matéria a oferta para homens é bastante limitada, apesar da violência sobre os homens ter crescido significativamente nos últimos anos).
Por último, importa mudar o paradigma da resposta. Não pode ser a vítima a ter que alterar a sua vida, mudando-se para uma casa abrigo que, muitas vezes, se encontra bastante afastada da sua residência habitual. Esta resposta é duplamente penalizadora para a vítima pois, para lá de agredida, vê-se abrigada a mudar a sua vida radicalmente. Deve ser o agressor o penalizado, procurando, ao mesmo tempo, a sua reabilitação, através de integração em casas de apoio ao agressor, onde lhe seja facultado o acompanhamento devido e necessário.
Em Faro, implementámos, em 2022, a Comissão Municipal de Promoção dos Direitos das Pessoas Idosas que, inspirada no modelo das Comissões de Proteção das Crianças e Jovens, pretende-se constituir como uma estrutura alargada, suportada por uma rede de parceiros, que promovam os direitos dos idosos e previnam ou atuem sobre situações de violência. Ao mesmo tempo, pretende ser um modelo inspirador para que, a prazo, possam ser criadas estruturas de âmbito nacional desta natureza.
Estamos todos convocados para combater este flagelo, desde logo denunciando todas e quaisquer formas de violência.
Em Faro, ou em qualquer outro lugar, a violência não se pode aceitar, ponto!
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