A Estrela da Manhã, de Karl Ove Knausgård, com tradução de João Reis, publicado pela Relógio d’Água, é um volume portentoso de 680 páginas. Originalmente publicado em 2020, está anunciado como o primeiro de um conjunto de cinco livros – o que condiz com o método do autor, que normalmente reparte as suas obras em torno de vários volumes, ainda que até agora se tenha centrado numa escrita mais autobiográfica.
Apresenta-se como “um espantoso romance sobre aquilo que não compreendemos e as nossas tentativas para conferir sentido ao nosso mundo, que parece não o ter”.
Numa longa noite de agosto, Arne e Tove estão com os filhos na sua casa de verão no sul da Noruega, e Tove começa a dar sinais de que está à beira de uma espécie de esgotamento.
Kathrine, uma pastora, viaja de avião depois de um seminário sobre a tradução da Bíblia e é subitamente invadida de dúvidas sobre o seu casamento, acabando por num impulso mentir ao marido e marcar uma noite num hotel na sua cidade.
Jostein, um jornalista, cuja verborreia contra tudo e todos deixa no leitor a impressão indelével de ser uma personagem execrável, adia durante horas o regresso a casa, e bebe indiscriminada e incansavelmente, conforme passa por vários bares e discotecas, ao ponto de perder a consciência, por mais de uma vez, sem que isso o pareça demover.
Por seu lado, Turid, a mulher, enfermeira numa unidade de cuidados psiquiátricos, faz o seu turno quando um dos doentes foge.
O livro alterna vários capítulos, narrados na primeira pessoa a partir da perspetiva destas e outras personagens mais: uma artista plástica; uma pastora da igreja; um professor de literatura; um jornalista cultural (uma personagem aliás execrável)… Algumas das personagens entram em cena várias vezes, outras apenas uma vez. A uni-las, sobre o céu de todas elas, aparece subitamente uma estrela, em pleno dia, com um forte brilho, além de outras estranhas coisas que começam a acontecer.
Uma estrela forte. Ou demasiado perto da Terra. Uma estrela brilhante da manhã, como falou Jesus Cristo. Embora, como lembra alguém, no Livro de Isaías a estrela da manhã estivesse associada ao Diabo.
Uma das personagens a certa altura refere aliás como associa sempre o amarelo, uma névoa amarela, à palavra Deus, até porque em norueguês as duas palavras se assemelham sonoramente. Portanto, a estrela da manhã será uma imagem importante na Bíblia, como se pode ler noutro passo, mas que surge sempre associada a mensagens contraditórias.
“Que a estrela estava repleta de significado era algo que todos os que a viam facilmente perceberiam. Ninguém lhe ficava indiferente. Irradiava algo silencioso e intenso. Era quase como se possuísse uma vontade, algo indomável que a alma poderia conter, mas jamais alterar ou influenciar.
A sensação de que alguém nos estava a observar.” (p. 431)
O certo é que começa a ocorrer uma série de estranhos fenómenos, aparentemente inócuos, mas que, possivelmente, se começam a entretecer num estranho sentido. O mais estranho será quando se descobrem os corpos dos membros de uma banda de metal gótico, assassinados de forma horrenda.
Ao longo do livro há ainda várias passagens alusivas a filósofos, como Kierkegaard, sendo que o último capítulo do livro surge, primeiramente, como uma espécie de ensaio.
Karl Ove Knausgård nasceu em Oslo, na Noruega, a 6 de dezembro de 1968 e cresceu em Tromøya e em Kristiansand. Estudou Artes e Literatura na Universidade de Bergen. Publicou o seu primeiro romance aos 30 anos, Ute av verden, que recebeu o Prémio da Crítica Literária Norueguesa, nunca antes atribuído a uma primeira obra.
No outono de 2009, Knausgård iniciou um projeto literário singular, a obra autobiográfica A Minha Luta, composta por seis extensos volumes, que obteve vários prémios no seu país, recebeu elogios de escritores e críticos e conquistou centenas de milhares de leitores nas muitas línguas para que foi traduzida.
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