A disputa entre uma proprietária e a sua inquilina em El Masnou, Barcelona, começou com acusações de obras feitas à revelia e acabou por revelar um cenário bem diferente do que a casera esperava. A justiça analisou a abertura de buracos na fachada, a instalação de uma estrutura metálica e até a transformação de uma porta em janela. No final, concluiu que nada disso alterava a estrutura da casa nem justificava pôr fim a um contrato de arrendamento assinado em 1977, que continua em vigor quase meio século depois.
De acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo, a proprietária insistia que a inquilina tinha mexido na casa para além do permitido e que já nem vivia ali de forma habitual. Defendia ainda o pagamento de mais de quatro mil e trezentos euros por danos alegadamente causados num muro exterior do pátio. A inquilina respondeu que algumas intervenções eram antigas e tinham sido toleradas por antigos proprietários, garantindo que só se ausentou do imóvel durante o período de confinamento.
O que conta como alteração estrutural
A primeira decisão surgiu do Juízo de Primeira Instância número 2 de Mataró e afastou qualquer ideia de modificação estrutural relevante. As obras existiam, mas, para os juízes, não afetavam a solidez do edifício nem configuravam um ataque sério à configuração da habitação.
A Audiencia Provincial de Barcelona confirmou essa leitura e explicou que o contrato estava sujeito à antiga Lei de Arrendamentos Urbanos de 1964. Esta lei prevê, no artigo 114.º, n.º 7, que só há fundamento para resolver o contrato quando as obras não autorizadas modificam a configuração da habitação ou debilitam a estrutura do imóvel. No caso concreto, a justiça concluiu que não se verificou qualquer alteração relevante da estrutura ou da configuração da casa que justificasse o fim do arrendamento.
Tal como refere a mesma fonte, houve ainda outro ponto importante. A estrutura metálica colocada na fachada era conhecida da proprietária há vários anos. Nunca houve pedido de remoção até 2020. Para o tribunal, isso revelou um consentimento tácito que acabou por pesar na decisão final.
A acusação de falta de residência habitual
A proprietária tentou ainda provar que a inquilina já não vivia na casa com regularidade e que isso permitiria avançar para desocupação. A lei espanhola aplicável ao caso, a antiga Lei de Arrendamentos Urbanos de 1964, só admite essa possibilidade quando se demonstra que o arrendatário esteve afastado, sem justa causa, mais de seis meses dentro do mesmo ano civil.
No processo não surgiu qualquer prova desse período prolongado de ausência. A explicação para a ausência durante o confinamento foi considerada suficiente e não teve impacto no contrato. A Audiencia Provincial sublinhou que “não consta um período de desocupação suficiente para entender acreditada a causa de resolução” e rejeitou também este fundamento.
O papel da comunidade no muro exterior
A discussão sobre o muro exterior do pátio também acabou por não ajudar a proprietária. O tribunal concluiu que a responsabilidade pela manutenção daquele muro cabia à comunidade de condóminos e que os custos já tinham sido assumidos de forma coletiva. Não havia, assim, qualquer motivo para exigir à inquilina o pagamento de uma indemnização individual.
Segundo o Noticias Trabajo, a decisão manteve o contrato de arrendamento ativo e afastou todas as pretensões de resolução. A sentença não é ainda definitiva e pode ser objeto de recurso de cassação para o Supremo Tribunal espanhol ou para o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha.
Como se lida com casos semelhantes em Portugal
Quando surge uma situação deste género em Portugal, o procedimento costuma passar por uma verificação detalhada do contrato de arrendamento e das regras estabelecidas na lei.
Sempre que uma obra é feita sem autorização, é aconselhável que o senhorio comunique por escrito a necessidade de reposição do estado inicial e que reúna provas claras da intervenção, como fotografias datadas ou testemunhos. Em muitos casos, o diálogo direto resolve a situação, mas a ausência de acordo pode levar a uma avaliação jurídica mais formal.
Se persistirem conflitos, o próximo passo costuma ser a mediação ou o recurso aos tribunais. Em termos gerais, a legislação do arrendamento urbano apenas admite a resolução do contrato por obras não autorizadas quando estas alteram de forma substancial a estrutura externa ou a disposição interna do imóvel, ou causam deteriorações relevantes, deixando de fora pequenas modificações facilmente reversíveis.
Quanto ao abandono ou falta de residência habitual, a lei e a jurisprudência portuguesas também seguem critérios exigentes: é necessário demonstrar que o arrendatário deixou de usar o imóvel como residência de forma efetiva e duradoura, e não apenas ausências temporárias explicáveis. Cada caso é analisado com detalhe e o tribunal só avança para a resolução quando os factos deixam pouca margem para dúvida
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