Um herdeiro foi condenado pela Audiência Provincial de Barcelona a pagar 92.798 euros aos dois irmãos que o pai havia deserdado injustamente para deixar-lhe toda a herança. A decisão, divulgada recentemente, conclui que o afastamento familiar não foi culpa exclusiva dos filhos, como alegava o testamento, e que o pai se encontrava já com sinais de deterioração cognitiva e emocional quando redigiu o documento.
De acordo com o Notícias Trabajo, site espanhol especializado em assuntos legais e laborais, o caso remonta ao testamento de um homem que, antes de morrer, decidiu excluir dois dos seus três filhos, alegando que se tinham afastado durante mais de seis anos e deixado de prestar atenção tanto a ele como à esposa, que vivia numa residência.
O tribunal considerou, porém, que não ficou provado que o distanciamento tivesse sido intencional ou causado apenas pelos filhos.
Tribunal reverteu a deserdação
Os dois irmãos recorreram aos tribunais, defendendo que o afastamento foi motivado por conflitos familiares e pela influência do irmão mais novo sobre o pai, numa fase em que este já apresentava problemas de memória e confusão mental.
Apesar de o Julgado de Primeira Instância n.º 6 de Manresa ter inicialmente validado o testamento, a Audiência Provincial de Barcelona decidiu revogar a sentença e anular a deserdação, restituindo o direito à legítima.
A deserdação não pode ser um castigo
Segundo o artigo 451-17.2.e do Código Civil da Catalunha, um pai só pode deserdar um filho se a ausência de relação for prolongada e exclusivamente imputável ao herdeiro. O tribunal concluiu que não era esse o caso, já que o afastamento resultou de conflitos mútuos e de uma perceção distorcida do pai, agravada pela doença.
Testemunhas da residência onde vivia a mãe confirmaram que o homem “demonstrava desconfiança e ciúmes injustificados” em relação aos filhos mais velhos: sinais de um estado mental fragilizado.
De acordo com o Notícias Trabajo, os juízes sublinharam ainda que a deserdação não pode ser usada como instrumento de castigo familiar, mas apenas aplicada em situações legalmente reconhecidas. A legítima, explicaram, tem uma função protetora e destina-se a salvaguardar os vínculos familiares e a equidade entre descendentes.
Direito à legítima restabelecido
Com base nestes fundamentos, o tribunal declarou a deserdação inválida e reconheceu aos dois filhos o direito de receber a sua legítima. O irmão que herdou tudo terá agora de pagar 46.399 euros a cada um, acrescidos de juros legais desde o falecimento do pai.
A sentença ainda não é definitiva e pode ser alvo de recurso junto do Tribunal Supremo ou do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha.
E em Portugal, seria diferente?
Em Portugal, a lei é clara: os filhos têm sempre direito à legítima, uma parcela mínima da herança de que o testador não pode dispor livremente, nos termos dos artigos 2157.º a 2164.º do Código Civil.
A deserdação só é possível nas situações previstas no artigo 2166.º, como crime contra o testador, abandono em situação de necessidade ou tentativa de homicídio.
A simples falta de contacto familiar não constitui motivo legal. Assim, se um caso idêntico ocorresse em território português, a decisão seria provavelmente a mesma: o testamento seria impugnado e o direito à legítima restabelecido.
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