A questão das gorjetas e a sua tributação tem vindo a gerar controvérsia e discussão em Portugal, particularmente nos setores da restauração e serviços, onde este tipo de gratificação é mais comum. Tradicionalmente vistas como um “extra” oferecido pelos clientes como forma de agradecimento, as gorjetas estão agora a ser escrutinadas pelas autoridades fiscais, que insistem na sua tributação, como acontece com qualquer outro rendimento proveniente do trabalho dependente.
De acordo com a Autoridade Tributária (AT), as gorjetas, ainda que sejam voluntárias, representam um acréscimo de rendimento para os trabalhadores e, por isso, devem ser declaradas para efeitos fiscais. “As gorjetas são consideradas um rendimento do trabalho dependente e, como tal, devem ser sujeitas a IRS,” reitera a AT, numa tentativa de clarificar o entendimento legal em torno deste tema.
A lei portuguesa é clara: qualquer forma de remuneração, incluindo gorjetas, está sujeita a tributação. O que significa que, ao serem incorporadas no vencimento do trabalhador, as gorjetas estão também sujeitas a IRS, tal como o salário base. No entanto, é importante sublinhar que, embora sejam tributadas, as gorjetas não estão sujeitas a descontos para a Segurança Social.
A tributação das gorjetas tem um impacto direto no rendimento líquido dos trabalhadores, particularmente na restauração, onde este tipo de rendimento pode representar uma fatia significativa do total recebido. A obrigatoriedade de incluir as gorjetas no cálculo do IRS significa que o valor líquido final poderá ser inferior após a aplicação das respetivas taxas.
Segundo a legislação em vigor, “as gorjetas devem ser tributadas de forma autónoma em relação ao salário e estão sujeitas a uma taxa especial de 10%”. Este regime aplica-se exclusivamente a trabalhadores dependentes, ou seja, aqueles que exercem a sua atividade ao serviço de uma entidade empregadora. Além disso, o trabalhador pode optar por uma retenção mensal, de modo a evitar pagar o montante total numa única vez na declaração de IRS, geralmente entregue entre abril e junho do ano seguinte.
No que diz respeito à declaração deste rendimento, as gorjetas devem ser declaradas no Modelo 3 de IRS, mais especificamente no quadro 4-A do anexo A, sob o código 402.
Para as empresas, a obrigatoriedade de declarar as gorjetas implica um aumento na responsabilidade administrativa. Esta exigência obriga os empregadores a registar e declarar todos os valores recebidos a título de gorjetas, e a incluí-los nos recibos de vencimento dos seus funcionários. O não cumprimento desta obrigação pode resultar em penalizações fiscais, uma vez que a omissão deste rendimento é considerada uma forma de evasão fiscal.
Em resposta a esta pressão, muitos estabelecimentos têm implementado sistemas de registo e partilha de gorjetas, de forma a assegurar o cumprimento das obrigações fiscais e evitar sanções por parte da AT.
Nos últimos anos, a Autoridade Tributária tem vindo a reforçar a sua atuação nesta matéria, com o objetivo de garantir que todas as formas de rendimento – incluindo as gorjetas – são devidamente declaradas e tributadas. Em muitos casos, as gorjetas são pagas em numerário diretamente aos trabalhadores, o que dificulta a monitorização por parte das autoridades fiscais. No entanto, o cerco apertou-se, e a fiscalização está cada vez mais atenta.
“A implementação de medidas que permitam a digitalização dos pagamentos, como sistemas eletrónicos que incluam a opção de gorjeta, pode facilitar a gestão e fiscalização deste tipo de rendimento, promovendo a transparência”, sugere a AT. Esta medida, que está a ser cada vez mais adotada, não só ajuda os empregadores a cumprir as suas obrigações fiscais, como também proporciona uma maior clareza aos trabalhadores quanto aos montantes a declarar.
Apesar do avanço na fiscalização, o setor da restauração e serviços continua a pedir uma clarificação da legislação. Tanto as associações de empregadores como os sindicatos têm vindo a pressionar o governo no sentido de estabelecer diretrizes mais claras e simplificadas para a contabilização e tributação das gorjetas.
Este debate parece longe de estar encerrado, mas uma coisa é certa: em Portugal, as gorjetas são consideradas rendimento sujeito a IRS e, como tal, devem ser declaradas, quer pelos trabalhadores, quer pelos empregadores, que têm a responsabilidade de garantir que todas as obrigações fiscais são cumpridas.
Assim, da próxima vez que deixar uma gorjeta no seu restaurante favorito, saiba que, ao contrário do que muitos ainda pensam, esse valor não escapa aos olhos atentos do Fisco.
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