- Por Maria João Pereira, da agência Lusa
O especialista em transportes e planeamento regional Manuel Tão considerou, em entrevista à Lusa, que o Plano Ferroviário Nacional (PFN) carece de um plano diretor financeiro e corre o risco de ser “um lindo mapa” que dificilmente se materialize.
“Se nós temos um conjunto de intenções, que estão vertidas num mapa, ao qual chamamos Plano Ferroviário, mas não temos definido à partida o que é um plano diretor financeiro que balize, não digo a totalidade, mas, digamos, por exemplo, metade do que se propõe fazer, corremos o risco de ter um lindo mapa com linhas e trajetos para todo o lado, mas que dificilmente se vão materializar”, defendeu Manuel Tão.
O especialista em transportes da Universidade do Algarve congratulou-se com a existência de um plano, que, só por si, “é um aspeto positivo”, tendo em conta que o último data de 1930.
No entanto, o PFN deve ter associados “os meios financeiros e os fundos europeus que lhe deem, de facto, a possibilidade de se tornar uma realidade”, apontou.
“Como isso não está definido, corremos realmente o risco de ter aqui uma coisa, que depois vai à Assembleia da República, adquire a forma de lei e as leis podem ser muito bonitas, mas mais importante que a lei são as condições para que se torne efetiva na prática. Nós estamos cheios de leis que, depois, na prática, não têm qualquer efeito e eu temo que com este Plano Ferroviário Nacional possa ocorrer exatamente a mesma coisa”, sublinhou Manuel Tão.
Além da falta de definição do financiamento, o especialista apontou também o horizonte de execução de 2050, que considerou “temerário”, pela incerteza do que será o mundo daqui a 27 anos, e também “irrealista”.
“Muitas das coisas a que se propõe este plano eram coisas que já deviam estar a funcionar há 20 anos. Andamos a correr atrás do prejuízo, contrariamente a países como a Espanha”, que, vincou Manuel Tão, entrou na União Europeia ao mesmo tempo que Portugal, em 1986.
Adicionalmente, para o especialista, “por maior que seja a bondade deste plano”, há medidas que são para o imediato, como o início de aplicação de portagens em todas as vias rápidas que vêm de Espanha, em 2024.
“Nós estamos completamente dependentes do transporte rodoviário de mercadorias, em termos das nossas exportações para o resto da União Europeia e, particularmente, para Espanha, em que 70% das cargas são dirigidas para o país vizinho, que é o nosso maior parceiro económico, e vamos apanhar com as portagens em cima do nosso transporte de mercadorias”, apontou.
Para Manuel Tão, o país arrisca-se a perder competitividade nas exportações e a perder empresas, por não terem vantagens lucrativas com o sistema logístico, “que depende da estrada e do camião”. “Não preparámos isto”, sublinhou.
Já relativamente a pontos positivos do PFN, o doutorado em Economia dos Transportes pelo Instituto de Estudos dos Transportes da Universidade de Leeds, no Reino Unido, destacou a linha de alta velocidade Lisboa-Porto, que é “urgente”, uma vez que a atual ligação “tem troços que estão a ser explorados a mais de 100% da sua capacidade”, bem como a sua extensão à região da Galiza, em Espanha.
Outro aspeto positivo do PFN, prosseguiu, é a retoma do conceito de rede.
“Um dos grandes problemas que nós temos e que explica, em grande parte, não apenas aí, mas em grande parte, a própria falência da ferrovia em Portugal é ter sido abandonado o conceito de rede”, explicou o especialista.
Para Manuel Tão, o PFN prevê um conjunto de reduções de distância-tempo das ligações ferroviárias entre várias cidades, que permitem construir “um novo território e um novo país”.
“Os conceitos que nós temos hoje de Área Metropolitana do Porto e de Área Metropolitana de Lisboa, em muitos aspetos, desaparecem, porque passa a haver uma área metropolitana atlântica e várias cidades do interior que passam a estar inscritas dentro desta área metropolitana atlântica”, defendeu.
No entanto, falta dar o passo seguinte, que é incluir várias áreas transfronteiriças naquele “atlantismo”, incluindo algumas regiões que ficam em comunidades autónomas de Espanha, designadamente Extremadura, Salamanca, Zamora e Huelva.
“No fundo, a oportunidade que aqui há é a de aglutinar territórios e aglutinar mercados, com recurso a um transporte que vai todo ele funcionar a tração elétrica. Um transporte muito rápido e de grande capacidade e que vai funcionar a eletricidade. Isto é muito importante”, vincou.