Uma disputa familiar que chegou aos tribunais espanhóis terminou desfavoravelmente para uma mulher que tentou, mais de 30 anos depois, adquirir a titularidade do terreno onde o marido construiu a casa de família. A ação, apresentada contra o próprio neto, foi rejeitada por ter sido intentada fora do prazo legal, segundo noticiou o jornal espanhol Noticias Trabajo, especializado em assuntos laborais e legais.
A questão central estava ligada à chamada “acessão invertida”: em termos simples, a possibilidade de, em certas condições, quem construiu em solo alheio poder adquirir a parte de terreno ocupada mediante compensação ao proprietário, sobretudo quando a construção vale mais do que o solo. No caso, a avó alegou que a casa tinha sido construída com o consentimento da então proprietária e que, por isso, deveria poder adquirir o terreno mediante indemnização.
Uma obra concluída em 1985 e uma ação apresentada apenas em 2021
De acordo com a mesma fonte, a mulher vivia em 2021 numa casa edificada numa parcela que era titulada pela filha e que, mais tarde, passou para o neto, a quem acabou por mover a ação. A casa teria sido concluída em 1985 e o processo só foi instaurado em novembro de 2021.
O Tribunal de Primeira Instância n.º 3 de Granollers rejeitou a ação por prescrição com base no artigo 121-20 do Código Civil da Catalunha, que fixa um prazo geral de 10 anos para as pretensões (salvo situações como usucapião ou normas especiais). Assim, passadas mais de três décadas desde a conclusão da obra, a pretensão foi considerada claramente fora de prazo.
Tribunal da Relação confirma: o tempo esgotou a pretensão
A Audiência Provincial de Barcelona confirmou integralmente a decisão e sublinhou que, nos termos do artigo 121-20, “as pretensões de qualquer classe prescrevem ao fim de dez anos”. Entre a conclusão da casa (em torno de 1985) e a entrada da ação (em 2021) passaram mais de 30 anos, o que tornou impossível o reconhecimento do direito pretendido.
A avó ainda tentou, em recurso, que fosse reconhecida a aquisição do terreno por usucapião. Contudo, o tribunal rejeitou esse argumento por ser introduzido apenas em sede de recurso, qualificando-o como mutatio libelli, uma alteração substancial da base jurídica que não pode ser feita nessa fase do processo.
Mesmo com a casa construída, o terreno mantém-se na esfera do neto (por agora)
Segundo o Noticias Trabajo, a autora defendia que o valor da casa era superior ao do solo e que, por isso, deveria poder adquirir o terreno mediante compensação, ao abrigo do artigo 542-9 do Código Civil catalão. Ainda assim, por ter agido fora de prazo, a justiça concluiu que não era possível reconhecer esse efeito jurídico, mesmo que a construção tivesse valor superior ao terreno.
A decisão, porém, não é definitiva: de acordo com a mesma fonte, ainda seria possível interpor recurso de casación ou de infracción procesal para o Tribunal Supremo.
Como seria em Portugal? Contexto jurídico
Em Portugal, casos semelhantes enquadram-se nas regras da acessão previstas no Código Civil (artigos 1325.º e seguintes). A lei admite que, em certas circunstâncias, quem constrói de boa-fé em terreno alheio possa adquirir a propriedade pagando o valor do prédio/solo antes das obras, ou ocorrerem soluções indemnizatórias consoante o valor acrescentado (artigo 1340.º).
Além disso, em litígios sobre imóveis a passagem de muitos anos tende a colocar no centro a usucapião: sem registo do título nem da mera posse, a usucapião pode verificar-se ao fim de 15 anos (boa-fé) ou 20 anos (má-fé), dependendo do quadro concreto.
Ou seja, uma disputa surgida apenas ao fim de três décadas também enfrentaria obstáculos muito relevantes no direito português, embora a solução dependa sempre dos factos provados em tribunal.
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