Quando põe os óculos, a atleta espanhola Adiaratou Iglesias fica com 20% de visão, o dobro do que acontece sem o auxílio das lentes. Sem ver as linhas da pista ou a meta, Adiaratou, que sofre de albinismo, é campeã paralímpica e europeia, tendo ainda vencido a prata nos últimos mundiais.
“É muito difícil explicar como vejo porque sempre vi desta forma. (…) Vejo as duas linhas laterais da pista nos primeiros três metros. A partir daí, não distingo as linhas e tenho de encontrar muitas referências no momento de chegar à meta”, contou Iglesias ao jornal “Marca”: “Uso coisas que são visíveis para mim: a cadeira dos árbitros ou uma luz intensa. Outras vezes, o treinador põe-se na meta e grita: ‘Adi, vamos, peito para fora, já!’”.
O Centro de Alto Rendimento (CAR) de Madrid é a sua nova casa desde que voltou dos Jogos Paralímpicos de Tóquio com duas medalhas na bagagem: ouro nos 100 metros; prata nos 400. Todos os troféus estão em casa da mãe, em Lugo. “Não há melhor sítio para guardá-las”, explica a sorridente Adi, que se mudou para a capital espanhola com o objetivo de estudar fisioterapia na famosa Escola da Organização Nacional dos Cegos de Espanha (ONCE).
Adiaratou nasceu e cresceu em Bmako, no Mali. Até aos 7 anos, quando viu pessoas a correr, na televisão de um vizinho, nunca imaginara vir a ser atleta. Ao ver as raparigas num anúncio de TV, pensou: “Quero fazer isto”. “Mas não pude praticar até ser adotada e vir viver para Lugo, com 14 anos”, explica a galega.
Em Madrid, nem tudo tem sido fácil. A família está longe, a atleta mudou de treinador e de grupo de treino, as distâncias são diferentes. No entanto, aquilo de que diz sentir mais falta é o treino que dava a um grupo de crianças, em Lugo. Atualmente, a visão limitada não é obstáculo para triunfar no atletismo, logo, Adi nem sequer a refere quando enumera os problemas.
“Não sei onde estão os meus limites, não quero colocá-los. Não sei o que sou capaz de fazer. A única coisa que sei é que ainda tenho muito para dar e gostaria de continuar a melhorar”, diz. Quanto aos motivos por que não podia praticar desporto no Mali, estes vão mais longe do que o facto de sofrer de albinismo: “Era impossível porque, mesmo hoje em dia, pensa-se que a mulher tem de estar em casa a cuidar dos filhos. Além disso, o desporto não está organizado como aqui [em Espanha]. Há poucas oportunidades e só para rapazes”.
Fora as questões já referidas, Adi não esconde que, nessa altura, a doença lhe limitava os movimentos. Nunca saía do seu bairro, andava sempre perto de casa para evitar os perigos. “No Mali, como na maior parte de África, há uma superstição. Muita gente pensa que os albinos são pessoas que dão azar na vida. Há quem se dedique a assassiná-los, mas também quem corte membros dos nossos corpos para dar sorte ou ainda quem ‘semeie’ cabelo de pessoas albinas, crendo que dali vai nascer ouro”, conta Adi, que acrescenta: “Estes pensamentos são fruto da ignorância”.
A campeã paralímpica é muçulmana. Teve de aprender que não havia mal nenhum em mostrar o corpo. “Na minha cultura, (…) andar destapada era impensável. Faziam-nos sentir mal quando mostrávamos uma parte do corpo, mesmo que fosse um tornozelo. No início, tinha muita vergonha de vestir o fato de competição. Comecei a competir com umas calças largas e uma camisola de mangas compridas, com um top por cima. Era um espetáculo”, conta, a rir.
Considerada constante e disciplinada, Adi começou a brilhar em 2019, ao sagrar-se duas vezes campeã absoluta de atletismo da Galiza, dos 100 e 200 metros, competindo com atletas sem limitações. Um ano depois, arrecadou duas medalhas de bronze no campeonato sub-23 de Espanha. Quanto ao futuro, a atleta não esconde que quer estar em Paris, nos próximos Jogos, e vencer: “O meu objetivo é sempre ganhar medalhas”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL