Talvez não seja exagero dizer que esta sexta-feira, 29 de abril de 2022, terminou a sequência mais impressionante do desporto português e, porque não, do próprio judo europeu. Porque esta manhã, em Sófia, capital da Bulgária, Telma Monteiro não venceu uma medalha nos Europeus, o que seria uma notícia normal para a generalidade das judocas, mas não para a atleta forjada em Almada.
Porque em 15 participações em Campeonatos da Europa para Telma, numa história que começa em Bucareste 2004, ainda nos -52kg, a melhor judoca portuguesa de todos os tempos nunca tinha falhado uma medalha: foram seis títulos europeus, o últimos dos quais há um ano, em Lisboa, mais duas pratas e sete bronzes, e em Sófia mantinha-se entre as favoritas a roubar mais uma bolacha, não tivesse chegado à Bulgária como 4.ª no ranking mundial dos -57kg e segunda cabeça de série – aos 36 anos, Telma continua no topo e dela sabemos ter uma força que tudo varre.
Mas esta foi a manhã do fim de uma era.
O estatuto no ranking valeu a Telma ficar isenta na 1.ª ronda. Na 2.ª tinha pela frente a alemã Pauline Starke, 35.ª do Mundo e por isso muito pouco favorita no combate. É claro que o judo é um desporto de pormenores, em que uma pequena desatenção, um pequeno movimento, um passo em falso milimétrico pode significar o adeus – e um adeus sem segunda oportunidade. E quando faltavam 2.34 minutos para o fim do combate, Starke serviu um ippon à portuguesa que deu por terminada a aventura no seu 16.º Europeu, muito mais cedo do que esperaria e duas semanas depois de sofrer um acidente de viação que a deixou com mazelas físicas e atrapalhou a preparação para a prova.
A série quase infinita terminou, mas o nome de Telma continuará lá, a marcar uma impressionante consistência ao longo de 18 anos.
Mas, quase em jeito de consolo, o dia não tinha terminado para Portugal.
A VEZ DE CATARINA
O cinco é um número que, até esta sexta-feira, devia pairar no sono de Catarina Costa. A judoca de 25 anos foi talvez a maior surpresa entre os portugueses que no último verão combateram no mítico Nippon Budokan, uma das casas espirituais do judo, onde decorreu a competição nos últimos Jogos Olímpicos.
A jovem de Coimbra chegou então às repescagens da categoria mais leve (-48kg), onde bateu a campeã olímpica em título, a argentina Paulo Pareto, e ainda cheirou a medalha, caindo face à mongol Urantsetseg Munkhbat na luta pelo bronze. O 5.º lugar era uma das melhores classificações de sempre do judo português então, apenas superado pelas medalhas de Nuno Delgado (2000) e Telma Monteiro (2016) – dias depois, Jorge Fonseca juntaria mais uma medalha de bronze ao espólio nacional.
Mas o 5.º lugar parecia também uma espécie de parede onde a finalista de Medicina embatia sempre. Tinha sido 5.ª nos Mundiais de Baku, em 2019. E 5.ª nos Europeus de Minsk de 2019, que também serviram como Jogos Europeus.
Em Sófia, Catarina Costa disse: não mais 5.ª.
Segunda pré-designada, a judoca da Académica ficou isenta na 1.ª ronda, tendo batido a azeri Ramila Aliyeva na estreia e a italiana Assunta Scutto nos quartos de final, num renhido combate apenas resolvido com um ippon no golden score, numa altura em que Catarina já tinha dois shidos (castigos). Nas meias-finais, um wazari foi suficiente para bater a israelita Shira Rishony. A medalha estava então garantida, naquele que era desde logo o melhor resultado internacional da judoca portuguesa.
Na final, Catarina não era favorita: do outro lado estava a primeira cabeça de série, a francesa Shirine Boukli, de 23 anos, que dominou os primeiros minutos do combate com claro ascendente físico sobre a portuguesa que, para dificultar ainda mais a empreitada que tinha pela frente, sofreu um corte num dedo, com o sangue a ver-se no judogi branco da gaulesa.
Logo de seguida, Catarina Costa recebeu o primeiro shido, por falso ataque, e rapidamente ficou tapada ao receber um segundo castigo, numa altura em que havia até conseguido equilibrar. Mas Boukli nunca pareceu perder completamente o controlo do combate e a 40 segundos do fim derrubou a portuguesa, com um wazari que conseguiu conservar até ao gongo.
Apesar do título europeu ter ficado tão perto, Catarina Costa sai dos Europeus de Sófia com uma medalha que há muito espreitava e num ano que está a ser especial. Consolidou o seu lugar como uma das mais consistentes atletas dos -48kg, depois do ouro no Grand Prix de Portugal, em janeiro. Terá muitas oportunidades ainda para igualar o seu treinador, João Neto, campeão da Europa em 2008.
Se o primeiro dia de competição começou com um amargo de boca, a jovem de Coimbra estava lá para o adocicar.
- Texto: Tribuna do Expresso, jornal parceiro do POSTAL