Viriato é uma das figuras mais marcantes da memória coletiva portuguesa, frequentemente associado ao espírito de resistência e bravura que caracteriza a identidade nacional ao longo da história. No entanto, a ligação entre Viriato, os lusitanos e Portugal está envolta em mitos que a historiografia tem vindo a questionar. O termo “lusitano”, amplamente usado para descrever os portugueses, está muitas vezes ligado à aura de Viriato, mas até que ponto esta associação tem fundamento histórico ou resulta de construções posteriores? Saiba mais neste artigo.
Historicamente, Viriato é conhecido como líder dos lusitanos, um povo que resistiu ao domínio romano no século II a.C. De acordo com a tradição popular, teria sido um pastor da região dos Montes Hermínios (atual Serra da Estrela), destacando-se pela astúcia e coragem com que liderou a resistência indígena.
Contudo, a historiografia moderna apresenta uma versão diferente. Carlos Fabião, professor da Universidade de Lisboa, sugere que Viriato não era natural do território que corresponde ao atual Portugal, mas sim de uma região entre a Andaluzia e a Extremadura espanholas. Além disso, os romanos usavam o termo “lusitanos” como uma designação genérica para os povos do extremo ocidental da Península Ibérica, sem uma delimitação clara, revela o NCultura.
José Mattoso, conceituado historiador português, questiona a associação de Viriato aos Montes Hermínios, afirmando que esta ligação não encontra suporte nas fontes clássicas. O “Monte Hermínio” mencionado em textos antigos nunca foi relacionado diretamente a Viriato ou às Guerras Lusitanas, que ocorreram sobretudo na Andaluzia. Além disso, o conceito de Lusitânia enquanto território surgiu apenas após a ocupação romana, e não coincide com o atual território português.
A construção do mito ao longo dos séculos
O mito de Viriato começou a ser moldado na Antiguidade, com autores como Posidónio e Diodoro a descrevê-lo como um herói puro, símbolo da resistência selvagem contra a corrupção das civilizações mediterrânicas ao longo da história. Esta imagem idealizada foi mais filosófica do que histórica, mas contribuiu para a perpetuação do mito.
No século XX, o regime do Estado Novo resgatou a figura de Viriato como um símbolo nacionalista. A inauguração da estátua de Viriato em Viseu, em 1940, é um exemplo claro deste uso político. No entanto, a sua imagem tornou-se paradoxal durante a Guerra Colonial, já que Viriato, símbolo da resistência contra o imperialismo romano, contrastava com o papel imperialista de Portugal em África. Esta contradição levou a uma redução da sua presença nos manuais escolares a partir de 1968.
Para além do contexto político, a figura de Viriato foi adaptada ao longo dos séculos em várias produções literárias e artísticas, desde os textos renascentistas de Luís de Camões até representações modernas em teatro e literatura. Estas narrativas contribuíram para consolidar Viriato como um herói popular no imaginário coletivo, como avança a mesma fonte.
Viriato e a identidade nacional
Apesar das críticas dos historiadores, Viriato continua a ser uma figura inspiradora na memória coletiva dos portugueses. A VortexMag destaca que, mesmo envolto em elementos lendários, a sua história tem um papel central na construção de uma identidade nacional baseada em valores como a resistência, a bravura e a lealdade.
Embora as evidências históricas enfraqueçam a ligação direta entre Viriato e Portugal, a persistência do mito demonstra a importância dos símbolos culturais na formação das narrativas identitárias. Como sublinha a historiografia, “Viriato é português, nem que seja por empréstimo”, sendo uma metáfora do espírito de adaptação e resiliência dos portugueses.
Um mito que transcende o tempo
A história de Viriato mostra como os factos e a lenda se misturam na construção da identidade coletiva. Embora a historiografia moderna sublinhe as limitações factuais da ligação entre Viriato e Portugal, o mito continua vivo, adaptando-se às circunstâncias culturais e políticas de cada época.
Hoje, Viriato é mais do que uma figura histórica; é um símbolo de resistência intemporal que reflete a força de um povo em constante reinvenção. A sua presença na memória coletiva ilustra a valorização das raízes históricas e culturais pelos portugueses, demonstrando como personagens históricas podem ser transformadas em ícones duradouros.
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