O editor Mário Moura, fundador da Pergaminho e da Arte Plural, morreu na quarta-feira, aos 98 anos, anunciou a editora Quatro Estações, um dos seus últimos projetos, num percurso de quase 70 anos no setor livreiro.
Nascido em Lisboa, em 27 de agosto de 1924, engenheiro florestal de formação, Mário Mendes de Moura estava presente no setor livreiro desde 1953, quando se encontrava no Brasil e fundou a editora Andes, seguindo-se a Fundo de Cultura, que veio a constituir-se uma referência no mercado brasileiro, a Páginas, a Vértice do Brasil e, mais tarde, já de regresso a Portugal, chancelas como Pergaminho e Arte Plural, entretanto adquiridas pelo atual Grupo BertrandCírculo, além da Gestão Plus, Bico de Pena, Quinto Selo, Vogais & Companhia e Quatro Estações.
“Sempre tive a paixão pelo livro e sempre fui um grande leitor”, disse Mário Moura em entrevista ao Jornal de Notícias (JN), em abril de 2010, pouco depois da criação de Vogais & Companhia.
Para Mário Moura, o gosto pela edição foi-lhe transmitido por Bento de Jesus Caraça, matemático, professor universitário e resistente antifascista, que morreu em junho de 1948.
“Ele dirigia uma coleção de pequenos livros, a coleção Cosmos, para a qual cheguei a escrever”, recordou Mário Moura nessa entrevista ao JN.
A ligação ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), de oposição à ditadura do Estado Novo, acabou porém por ditar o destino de Mário Moura e afastá-lo do setor livreiro durante alguns anos.
“Depois de formado, não consegui arranjar emprego. Parti para o Brasil e não pensei mais no assunto. Trabalhei para o Governo brasileiro no departamento de estatística”, disse na mesma entrevista ao JN. “Tinha um bom ordenado. Mas larguei tudo para fundar uma editora”, a Andes.
O trabalho no Brasil estendeu-se durante quase 40 anos, segundo as notas biográficas disponíveis no ‘site’ da Quatro Estações.
Mário Moura regressou a Portugal na viragem para a década de 1990, por causa “da música de Rao Kyao, por ter lido ‘O memorial do convento’, do José Saramago, e pelo espetáculo das árvores sem folhas, no Natal, coisa que no Brasil não acontece”, como confessou ao JN. Deu então origem ao seu percurso no mercado português com a Pergaminho.
A Quatro Estações, que hoje apresenta uma fotografia do cofundador, na sua página na Internet, recorda que, “globalmente”, Mário Moura “editou mais de três mil títulos e quarenta milhões de exemplares”, da ficção às ciências sociais, das artes à divulgação científica e à literatura infantojuvenil.
Jeff Kinney e a sua série à volta do “Diário de Um Banana”, e Paulo Coelho são apenas dois dos mais conhecidos autores que revelou em Portugal.
O atual Grupo BertrandCírculo, que em 2008, ainda como grupo Bertelsmann/Círculo de Leitores, adquiriu a Pergaminho e a Arte Plural a Mário Moura, divulgou hoje uma mensagem de pesar pela sua morte, reconhecendo nele “um dos nomes incontornáveis da história da edição das últimas décadas” e recordando “com enorme gratidão e admiração o seu trabalho”.
“Na pessoa de Mário Moura eram indissociáveis a paixão pelas artes, o combate pelo acesso à cultura e o compromisso com a liberdade enquanto pertença inalienável de cada ser humano. Militou pela liberdade em todos os seus aspetos, e foi em liberdade e com paixão que sempre editou”, lê-se no comunicado do Grupo BertrandCírculo.
“Dotado de uma olímpica capacidade de remar contra as marés, era um exemplo vivo de coragem, empenho e resiliência. Exímio homem de negócios, conseguiu vender à equipa editorial que teve o privilégio de com ele trabalhar e privar a ilusão de que o teríamos sempre connosco. Hoje é o dia em que dele nos despedimos, na consciência de que nunca nos despediremos da sabedoria, da paixão pelos livros e da amizade que nos legou.”