Carlos Café, professor de Filosofia na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, de Portimão, é reconhecido por procurar envolver os alunos em atividades práticas e de cidadania. Um desses projetos fez com que fosse um dos 10 finalistas do prémio “Global Teacher Prize Portugal 2023“, considerado o “Óscar do melhor professor”. O professor recordou recentemente no seu Facebook o momento em que escreveu no quadro: ”Ninguém vai chumbar a Filosofia”.
A frase tem quase três anos e segundo Carlos Café, “de facto, nunca mais um aluno meu chumbou a Filosofia”.
A publicação original refere que “uma das coisas mais difíceis para um professor é manter os níveis de motivação dos seus alunos quando eles, apesar do seu esforço, obtêm resultados negativos. Quando entreguei os testes na semana passada, a cena repetiu-se com alguns deles e delas: tristes, desapontados, por vezes chorosos. Tinham recebido o 1.º teste de Filosofia, eles e elas que, há uns meses atrás, estavam ainda no 9.º ano numa outra escola com outro tipo de características e exigências. Foi então que decidi escrever isto no quadro”, começa por contar.
O professor explicou aos alunos que “se fosse professor de Matemática, Português ou de Inglês, por exemplo, nunca escreveria tal coisa. Por quê? Porque, apesar dos esforços enormes que os colegas fazem, nem sempre é possível recuperar falhas de anos anteriores com o ritmo exigido no secundário (são turmas do 10.º ano). Mas a Filosofia é uma disciplina nova. ‘E eu não admito que algum aluno meu chumbe!’ – acrescentei. – ‘Mesmo os que ´desligarem´ e quiserem chumbar vão ter de me ‘enfrentar!´”.
Segundo Carlos Café, o objetivo não era passar ninguém por pena ou por favor, mas sim porque era justo e merecido.
“Para além de ser, como se percebe, uma estratégia de motivação (os alunos percebem que têm em mim alguém que se preocupa e que não vai desistir deles), há por detrás dela uma convicção profunda: não faz sentido algum que haja alunos e alunas a chumbar a Filosofia! Chumbar por quê? Perderam a curiosidade natural? Foram amputados da capacidade de raciocínio lógico? Desprezam a possibilidade de ter opiniões próprias?”, explica o professor.
Para Carlos Café, “na maioria dos casos, os alunos chumbam porque os instrumentos que são utilizados para os avaliar são repetitivos, redutores e não abarcam todas as competências que é suposto serem avaliadas. A tirania do hábito, a tentação da inércia e a pressão social e institucional com os exames para entrar na universidade fizeram com que o secundário se tornasse numa ‘linha de montagem’ de candidatos à universidade, em que os professores se transformaram, lentamente e sem disso se aperceberem, em zelosos e eficazes ‘explicadores’. Já não ensinamos, limitamo-nos a explicar a matéria que pode sair nos exames”.
O professor não concorda com a ideia de, “por uma questão de igualdade, a prova terá de ser a mesma para todos. E hoje o teste é o seguinte: todos vocês têm de subir a uma árvore. Pois bem, é mais que tempo de deixar de exigir ao elefante ou ao hipopótamo que tentem subir árvores e dar-lhes a possibilidade de atingirem os mesmos objetivos de acordo com os seus interesses e natureza”.
Carlos Café explica como se processa o sistema de avaliação, “é feita por competências e os testes valem cerca de 50% da nota dos alunos (fazemos apenas 3 por ano). Tudo é avaliado, mas nem tudo é avaliado por testes. Ao longo do ano, os alunos fazem um ensaio filosófico (uma avaliação mais ‘académica’, portanto) sobre um problema filosófico escolhido por si”.
Os alunos fazem também “tarefas coletivas de turma”, em que cada aluno contribui para a realização de um trabalho global da turma. A título de exemplo, “houve quem levasse um relógio para perguntar ‘o que é o tempo?’, rimmel (‘o que é a Beleza?’), 1 euro (‘o dinheiro é o mais importante na vida?’) ou, ainda, quem não levasse objeto algum para poder perguntar: ‘o que é o nada?'”.
Há ainda o projeto pessoal de Filosofia (PPF), que para Carlos Café é a avaliação mais interessante. Consiste num trabalho de projeto que é feito ao longo do ano e em que os alunos trabalham um problema/tema filosófico escolhido por si e o abordam da forma que entenderem: texto, banda desenhada, curta metragem, música, dança, jogo, diário gráfico, etc. “Só para que se perceba a importância do PPF, ele tem um peso de 2 valores na nota final do aluno”, explica.
Para o professor, “os alunos trabalham provavelmente muito mais (e melhor, espero eu) do que se fossem avaliados essencialmente por testes que são o paraíso para quem escreve bem e o inferno para quem preferiria expressar-se também de outras formas”.
Carlos Café termina exaltando, “é por tudo isto, cara amiga e caro amigo, que eu posso arriscar imenso e dizer: Ninguém vai chumbar a Filosofia!”.
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