
Este ano os textos e poemas são dedicados ao tema “O FUTURISMO DO NOSSO PASSADO”, que também serve de mote para os trabalhos que serão desenvolvidos pelos alunos das escolas de Tavira.
A selecção dos trabalhos que serão publicados ao longo deste mês foi feita por Ana Cristina Matias, professora de Português e professora-bibliotecária da Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia – Tavira.
Álvaro de Campos – Fase FUTURISMO / SENSACIONISMO
ODE MARÍTIMA
[…]
Ah, torturai-me para me curardes!
Minha carne — fazei dela o ar que os vossos cutelos atravessam
Antes de caírem sobre as cabeças e os ombros!
Minhas veias sejam os fatos que as facas trespassam!
Minha imaginação o corpo das mulheres que violais!
Minha inteligência o convés onde estais de pé matando!
Minha vida toda, no seu conjunto nervoso, histérico, absurdo,
O grande organismo de que cada acto de pirataria que se cometeu
Fosse uma célula consciente — e todo eu turbilhonasse
Como uma imensa podridão ondeando, e fosse aquilo tudo!
Com tal velocidade desmedida, pavorosa,
A máquina de febre das minhas visões transbordantes
Gira agora que a minha consciência, volante,
É apenas um nevoento círculo assobiando no ar.
Fifteen men on fhe Dead Man’s Chest
Yo-ho ho and a bottle of rum!
Eh-lahô-lahô-laHO — láhá-á-ááá — ààà…
Ah! a selvajaria desta selvajaria! Merda
Pra toda a vida como a nossa, que não é nada disto!
Eu prà’qui engenheiro, prático à força, sensível a tudo
Prà’qui parado, em relação a vós, mesmo quando ando;
Mesmo quando ajo, inerte; mesmo quando me imponho, débil;
Estático, quebrado, dissidente cobarde da vossa Glória,
Da vossa grande dinâmica estridente, quente e sangrenta!
Arre! por não poder agir de acordo com o meu delírio!
Arre! por andar sempre agarrado às saias da civilização!
Por andar com a douceur des moeurs às costas, como um fardo
[de rendas!]
Moços de esquina — todos nós o somos — do humanitarismo moderno!
Estupores de tísicos, de neurasténicos, de linfáticos,
Sem coragem para ser gente com violência e audácia,
Com a alma como uma galinha presa por uma perna!
Ah, os piratas! os piratas!
A ânsia do ilegal unido ao feroz,
A ânsia das coisas absolutamente cruéis e abomináveis,
Que rói como um cio abstracto os nossos corpos franzinos,
Os nossos nervos femininos e delicados,
E põe grandes febres loucas nos nossos olhares vazios!
Obrigai-me a ajoelhar diante de vós!
Humilhai-me e batei-me!
Fazei de mim o vosso escravo e a vossa coisa!
E que o vosso desprezo por mim nunca me abandone,
Ó meus senhores! ó meus senhores!
Tomar sempre gloriosamente a parte submissa
Nos acontecimentos de sangue e nas sensualidades estiradas!
Desabai sobre mim, como grandes muros pesados,
Ó bárbaros do antigo mar!
Rasgai-me e feri-me!
De leste a oeste do meu corpo
Riscai de sangue a minha carne!
Beijai com cutelos de bordo e açoites e raiva
O meu alegre terror carnal de vos pertencer.
A minha ânsia masoquista em me dar à vossa fúria,
Em ser objecto inerte e sentiente da vossa omnívora crueldade,
Dominadores, senhores, imperadores, corcéis!
Ah, torturai-me,
Rasgai-me e abri-me!
Desfeito em pedaços conscientes
Entornai-me sobre os conveses,
Espalhai-me nos mares, deixai-me
Nas praias ávidas das ilhas!
Cevai sobre mim todo o meu misticismo de vós!
Cinzelai a sangue a minh’alma
Cortai, riscai!
Ó tatuadores da minha imaginação corpórea!
Esfoladores amados da minha carnal submissão!
Submetei-me como quem mata um cão a pontapés!
Fazei de mim o poço para o vosso desprezo de domínio!
Fazei de mim as vossas vítimas todas!
Como Cristo sofreu por todos os homens, quero sofrer
Por todas as vossas vítimas às vossas mãos,
Ës vossas mãos calosas, sangrentas e de dedos decepados
Nos assaltos bruscos de amuradas!
Fazei de mim qualquer coisa como se eu fosse
Arrastado — ó prazer, ó beijada dor! —
Arrastado à cauda de cavalos chicoteados por vós…
Mas isto no mar, isto no ma-a-a-ar, isto no MA-A-A-AR!
Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH! No MA-A-AA-AR!
Yeh eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Grita tudo! tudo a gritar! ventos, vagas, barcos,
Marés, gáveas, piratas, a minha alma, o sangue, e o ar, e o ar!
Eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Tudo canta a gritar!
FIFTEEN MEN ON THE DEAD MAN’S CHEST.
YO-HO-HO AND A BOTTLE OF RUM!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Eh-lahô-lahô-laHO-O-O-ôô-lahá-á á — ààà!
AHÓ-Ó-Ó Ó Ó Ó-Ó Ó Ó Ó Ó — yyy!…
SCHOONER AHÓ-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó — yyyy!…
Darby M’Graw-aw-aw-aw-aw-aw!
DARBY M’GRAW-AW-AW-AW-AW-AW-AW!
FETCH A-A-AFT THE RU-U-U-U-U-UM, DARBY!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh-eh!
EH-EH EH-EH-EH EH-EH EH-EH EH-EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!
[…]
s.d.
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). – 162.
1ª publ. in Orpheu, nº2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915.
NOTA: A FESTA DOS ANOS DE ÁLVARO DE CAMPOS 2018 decorre até ao próximo dia 30 de Novembro, em Tavira, com poesia, momentos musicais, cinema, jantares vínicos, exposições, entre outros eventos, cujo programa pode acompanhar AQUI.