A 10 de Julho de 2019 a BBC News noticiava que 9 veados de Nara haviam morrido após ingestão de plástico.
De acordo com a Fundação para a Preservação dos Veados de Nara, foram encontradas no estômago dos animais massas volumosas de plástico, provenientes quer de sacos, quer de invólucros destinados a alimentos. Segundo o adiantado pela Fundação, o plástico ingerido permaneceu no estômago dos veados, bloqueando esse órgão e impedindo que os animais pudessem ingerir alimentos, acabando por causar o seu falecimento.
Há cerca de 1301 anos, a capital da civilização japonesa foi erigida na área da cidade de Nara e segundo a lenda, durante este período (apelidado de período Nara), Takemikazuchi-no-Mikoto (Kami, divindade mitológica japonesa venerada no Xintoísmo) foi convidado para em determinada ocasião se deslocar ao templo de Kasuga Taisha, em Nara e aqui chegou, conduzindo um veado branco. Desde então, os veados passaram a ser considerados mensageiros dos deuses.
Se no passado estes veados Sika eram criaturas consideradas divinas e sagradas, actualmente foram declarados monumentos/tesouros nacionais do Japão, e passeiam livremente pela cidade de Nara, mormente na zona do Parque de Nara, onde se situam variados templos xintoístas.
Nara é facilmente acessível através de transportes públicos (nomeadamente através das linhas de Nara das companhias JR e Kintetsu) a partir de vários locais, incluindo Kyoto e Osaka.
Ao chegar à estação de Nara, basta caminhar uns metros na direcção do Parque para avistar estas criaturas maravilhosas. A coexistência entre pessoas, veados e cidade é verdadeiramente enternecedora e visitar Nara é uma experiência assaz enriquecedora.
Como tudo, porém, estes tesouros são constantemente ameaçados por ímpetos e comportamentos das pessoas que os colocam em perigo, nomeadamente o acto infelizmente tão vulgar, de deitar plástico para o chão.
Mas não só! Apesar de estarem à venda, em vários locais, bolachas de arroz específicas para alimentar os veados e do facto de alimentar veados com outros alimentos além de tais bolachas constituir crime punido pela lei japonesa, o certo é que é comum ver-se pessoas a dar outros alimentos aos animais que não os permitidos. Confesso que tenho alguma dificuldade em ver o desrespeito por regras, especialmente nestes casos concretos em que as normas foram estabelecidas para protecção da vida e do bem estar de animais.
Ademais, o número de turistas é tão elevado que há determinados períodos do ano em que os veados já não conseguem sequer comer tantas bolachas de arroz e se tornam até violentos com a insistência humana em que comam e façam vénias para receber/agradecer alimento.
Contudo, o grande alarme para estas criaturas é o tão famigerado plástico! Para os veados de Nara e também para todo o planeta! É claro e evidente o desproporcionado consumo de plástico pelas pessoas e esse uso desmesurado está a afectar-nos a vida e a do nosso planeta.
Já não é admissível que no momento presente, nos países ditos desenvolvidos, ainda se use plástico da forma como vem sendo utilizado! Um pouco por todo o lado, vemos embalagens e até embalagens dentro de embalagens. A sociedade tornou-se demasiado apressada e o plástico ajuda nesse acelerar do passo – são, nomeadamente, as bebidas para levar, em copos de plástico, com palhas em plástico, ou a comida embalada em plástico, por vezes embalada em várias embalagens que por sua vez estão embaladas noutras maiores, como verdadeiras matrioskas de plástico! Por outro lado, o sentir do viver contemporâneo redunda na hodierna obsessão com marcas e cadeias que potenciam o uso do plástico – as mesmas que nos embalam bebidas e comidas dentro de embalagens e depois as entregam dentro de embalagens maiores!
O plástico é barato, o plástico tem múltiplos usos, o plástico vulgarizou-se, o plástico é a vedeta mundial, vivemos na plasticomania!
Não sendo o único demónio hodierno, é certamente um dos mais difíceis de combater, não apenas por estar presente em tudo, mas precisamente porque facilita a vida apressada a que as pessoas se vêem constrangidas.
Urge reflectir nestes comportamentos não por modas animalistas ou ambientalistas, mas porque nos está literalmente a tirar a vida!
Existem alternativas sem plástico para tudo o que até podemos pensar não ter equivalente noutros materiais. Basta pesquisar um pouco que facilmente se encontram outros produtos mais amigos do ambiente e da vida!
E não sendo possível/logrável eliminar o uso de todo o plástico, pelo menos, evite-se deitá-lo para o chão e tente-se deixar as embalagens nos locais apropriados.
Salvemos os veados de Nara e todos os animais marinhos, salvemos as espécies, incluindo a humana!
Rute Almeida,
(Magistrada do Ministério Público)
(CM)