O presidente da Câmara de Dnipro, a quarta maior da Ucrânia, alertou esta quinta-feira que Portugal deve ajudar a parar a Rússia e apontou a cidadania portuguesa atribuída a Roman Abramovich como exemplo de “dinheiro sujo” que contamina as democracias ocidentais.
Borys Filatov admite que Portugal seja menos sensível à questão russa, um sinal de que a União Europeia “é bastante diversificada” e os países do leste europeu “sabem muito bem que Putin não vai parar” e, por isso, “têm uma postura única e comum”.
“Não gostaria de comentar a posição de Portugal em particular, mas tudo o que eu quero é que o governo português e o povo português compreendam uma simples verdade: se não pararmos Putin aqui na Ucrânia, ele não vai parar; ele vai continuar a destruir o sistema de segurança mundial, e mais cedo ou mais tarde, isso será um problema para o povo português”, explicou Filatov, em entrevista à Lusa.
“Todos nós, as elites ocidentais em primeiro lugar, a Alemanha e a França em particular, permitimos que um novo Hitler florescesse nas terras europeias. Não nos apercebemos que, ao longo dos últimos vinte anos, o novo Reich renasceu – na Rússia – e se não o pararmos agora, o Reich irá alastrar”, salientou, acrescentando “todos precisam de compreender” o problema, “incluindo o governo português”.
Comentando o facto do Presidente Volodomyr Zelensky ter referido Portugal como um dos países que tem dúvidas sobre a entrada na Ucrânia na União Europeia, Borys Filatov afirmou que o “governo português e o povo português precisam de aprender uma coisa: os russos nunca são de confiança, em circunstância alguma”.
“Os russos mentem sempre. Eles mentem o tempo todo e nunca os podemos deixar entrar na nossa casa”, disse o autarca, apontando o processo de atribuição de nacionalidade portuguesa ao oligarca russo Roman Abramovich como um exemplo de corrupção, um caso que está a ser investigado em Portugal.
“Eu gostaria que [os portugueses] pensassem em algo, que pode ser uma espécie de coisa irracional, mas ainda assim é verdade. Abramovich obteve cidadania portuguesa por causa do dinheiro. Primeiro, vem o dinheiro sujo russo, depois os programas russos sujos aparecem na vossa televisão, depois começam a reescrever-vos a história, depois mexem com os vossos contos de fadas, depois mexem com as vossas cabeças, depois os russos deitam-se com as vossas mulheres, e no fim, o vosso país é tomado pelos russos de múltiplas maneiras”, disse Borys Filatov.
Para o autarca, que gere a cidade que tem acolhido mais deslocados de guerra do país, vindos do leste, norte e sul, em fuga dos combates em cidades como Zaporijia, Mariupol, Kharkiv ou a região de Donbass, “os russos nunca poderão ser confiáveis em circunstância alguma, nunca os deixem entrar no vosso negócio; é um país de excluídos e precisa de ser retirado do mapa político do mundo; construam uma cerca alta e de betão à sua volta, e suspendam quaisquer relações diplomáticas”.
Sobre a situação da população russófona, que Putin diz estar a tentar proteger das autoridades ucranianas, o autarca de Dnipro diz que os russos “acreditaram nas suas próprias mentiras”. “Eu sou russo, o meu pai é russo, a minha mãe é russa. Não há uma gota de sangue ucraniano em mim”, mas se “os russos vierem, irei matá-los sem misericórdia, porque insistem numa “guerra absolutamente sem sentido”.
A mulher de Borys Filatov é da mesma região que Vladimir Putin (São Petersbugo) e a sua sogra ainda lá vive. E quase todos os dias, a sua mulher fala com a mãe, que “compreende a situação da Ucrânia” e “tem pena”, mas, ao mesmo tempo, “continua a acreditar na propaganda” de Moscovo. “Por exemplo, ela disse-nos, a chorar, que a Polónia quer conquistar Kaliningrado”, um enclave russo no mar Báltico.
Sobre o trabalho do Presidente Volodomyr Zelensky, Borys Filatov, que não é do mesmo partido, admitiu que “tinha problemas de relacionamento” mas agora, “para ser honesto”, todos os políticos “que amam a Ucrânia apoiam o Presidente neste momento”. E esta união política verifica-se também ao nível das autarquias, como Dnipro. “No nosso conselho municipal, juntámos todos os partidos pró-ucranianos e todos têm responsabilidades”.
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Invasão russa mostra “inoperância” do sistema de direito internacional
O autarca criticou também a “inoperância” das organizações internacionais, que considera revelar a falência do sistema de direito internacional que garantiu a paz global desde a II Guerra Mundial. Borys Filatov salientou que a ajuda internacional tem sido “absolutamente insuficiente” porque se trata de “uma guerra absolutamente a preto e branco”, sem qualquer “zona cinzenta”.
“Se se pudesse tentar procurar alguma verdade em qualquer outra guerra, este caso é o de uma guerra a preto e branco, talvez a única na história”, e “mostrou a divisão absoluta de qualquer sistema de segurança internacional, a inutilidade da ONU, a inutilidade da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa], a inutilidade da Cruz Vermelha, da burocracia mundial que tem gasto milhares de milhões de dólares ao longo dos anos, e que se tornou totalmente inútil e totalmente impotente”, afirmou o presidente da Câmara de Dnipro.
Vestido com roupa verde tropa, Borys Filatov critica os líderes mundiais. “Parece que a burocracia mundial está sempre a ficar para trás na tomada de decisões, era óbvio que a guerra estava à porta, estávamos a dizer que precisávamos das sanções preventivas, não após o facto consumado”, salientou.
E continuou: “Pedimos as armas e elas chegam sempre tarde. O mundo está sempre a ficar para trás com esta guerra, mas temos de pagar com milhares de vidas do nosso povo, e com as cidades obliteradas”.
A guerra na Ucrânia levou à subida dos preços dos combustíveis, mas também afetou outros setores já que se tratam de duas das maiores potências agroindustriais do mundo. “Um dos efeitos secundários agora é que os preços dos alimentos sobem, e é bem possível que em breve, no Médio Oriente e em África, a fome venha a atacar”, disse o autarca, acrescentando que, sobre esta matéria, a Ucrânia também avisou “a ONU e muitos outros burocratas inúteis do mundo”.
Sem discutir questões militares, Filatov admitiu que o primeiro mês de guerra deu tempo a Dnipro para se preparar, até porque é a segunda maior cidade de um leste do país mais russófono. “Chernihiv, Kharkiv, Kiev, Mariupol apanharam um golpe maior e isso deu-nos tempo”, afirmou Filatov, que comentou a possibilidade de a Ucrânia ser dividida em duas partes, com o lado russófono – que inclui Dnipro – nas mãos de Moscovo.
“Desde os tempos antigos de Sparta, há a expressão ‘Molon labe’, que significa ‘venham e tomem’. Por isso, não interessa o que a Rússia deseja, eles podem desejar o que quiserem, nós não os vamos deixar tomar”, afirmou Filatov. “Eles diziam que iriam conquistar Kiev em 48 horas e teriam uma parada em toda a Ucrânia em 72 horas. Eles que tentem e se quiserem incluir Dnipro na parte russa eles vão perder dezenas de milhares de pessoas”.
A cidade, com uma população de um milhão de habitantes, enfrenta hoje o desafio de encaminhar os deslocados de guerra. “Somos um ponto de trânsito o que é fácil para nós porque as pessoas ficam cá apenas uns dias e depois vão para outro sítio”, disse Borys Filatov, salientando que os registos ferroviários indicam o transporte de 200 mil pessoas em fuga do leste.
“O nosso maior problema são os idosos. Porque se as pessoas são novas e têm algum dinheiro elas podem mover-se. Mas ficam cá os mais velhos, os mais doentes que não podem ir para lado nenhum”, tudo “gente que vem para Dnipro sem objetivo, apenas para virem cá morrer porque os seus filhos foram para fora”, acrescentou.
Mais do que alimentos ou roupa, a cidade necessita de “medicamentos específicos” como “para cancro ou drogas raras”, tudo bens que são difíceis de adquirir.