Se escrever num motor de busca – “porque é que os homens têm de esperar antes de conseguir fazer sexo novamente?” – irá certamente encontrar a prolactina nos resultados. Acredita-se que esta pequena hormona esteja envolvida em centenas de processos fisiológicos no nosso corpo, entre eles, o “período refratário pós-ejaculatório” masculino. Este período tem início quando o homem ejacula e termina quando este recupera novamente a sua capacidade sexual.
E se continuar a pesquisar, verá que esta teoria chegou mesmo a conduzir o desenvolvimento de “tratamentos” que prometem diminuir o período refratário do homem reduzindo os níveis de prolactina no corpo.
Bem, é aqui que começam as más notícias para quem já comprou este tipo de “tratamentos”. Um novo estudo realizado em ratinhos, por cientistas do Centro Champalimaud, em Portugal, demonstra que a prolactina pode, afinal, não ser a responsável. Os resultados foram publicados no dia 4 de janeiro de 2020 na revista científica Communications Biology (https://www.nature.com/articles/s42003-020-01570-4)
A Teoria
Pode parecer irónico, mas a verdade é que o projeto de investigação que vem agora contrapor esta teoria dominante, nunca teve esse propósito.
“Quando começámos a trabalhar neste projeto, queríamos, de facto, explorar esta ideia porque ficámos fascinadas com a possibilidade de uma hormona que normalmente está associada à produção de leite nas mulheres estar envolvida num processo reprodutor masculino. “O nosso objetivo era investigar, mais detalhadamente, os mecanismos biológicos através dos quais a prolactina estaria a provocar o período de refração.”
Qual é a base desta, tão enraizada, teoria? Segundo Lima, a sua origem é resultado de diferentes linhas de evidência.
Por um lado, alguns estudos mostraram que a prolactina, tanto nos humanos como nos ratinhos, é libertada na altura da ejaculação. Como o período refratário começa logo após a ejaculação, a prolactina apresentava-se como uma boa candidata a ser responsável por ele. Além disso, níveis anormalmente elevados de prolactina no organismo – hiperprolactinemia – estão associados à diminuição da resposta sexual, à anorgasmia e à disfunção ejaculatória. Finalmente, o tratamento com drogas que inibem a libertação da prolactina, em situações de hiperprolactinemia, reverte a disfunção sexual.
“Todos estes diferentes resultados apontavam para um papel central da prolactina na supressão do comportamento sexual masculino”, diz Lima. “No entanto, esta ligação direta entre a prolactina e o período refratário pós-ejaculatório masculino nunca havia sido demonstrada. Ainda assim, esta teoria afirmou-se de tal forma que aparece em manuais escolares, bem como na imprensa.”
Então, porque é que a prolactina deixou de ser a explicação?
Como é que a equipa chegou à conclusão que, esta teoria, estava errada?
Para estudar o papel da prolactina no período refratário masculino, Susana Lima e a sua equipa realizaram uma série de experiências em ratinhos.
“Escolhemos o ratinho como modelo animal porque a sequência do comportamento sexual deste animal é muito semelhante à do homem”, explica Susana Valente, primeira autora do estudo. “Além disso, com ratinhos, podemos testar várias estirpes que apresentam desempenhos sexuais diferentes, o que torna os dados mais ricos. Neste caso, usamos duas estirpes diferentes: uma que tem um período refratário curto e outra que tem um período que dura vários dias.”
A equipa começou por verificar se os níveis de prolactina também aumentavam durante a atividade sexual em ratinhos machos. “Através de amostras de sangue, medimos os níveis durante as diferentes fases do comportamento sexual. E, de facto, estes aumentaram significativamente durante a interação sexual”, diz Valente.
Uma vez confirmada esta premissa, as investigadoras avançaram para o estudo da relação entre a prolactina e a duração do período refratário dos animais.
“A nossa primeira manipulação consistiu em aumentar os níveis de prolactina, antes de os animais ficarem sexualmente excitados. Certificamo-nos, especificamente, que os níveis artificiais correspondiam aos que medimos durante o comportamento sexual natural. Se a prolactina fosse mesmo responsável pelo período refratário, a atividade sexual dos animais deveria diminuir”, explica Valente.
Para surpresa da equipa, esta manipulação não teve qualquer efeito sobre o comportamento sexual dos ratinhos. “Apesar do aumento dos níveis de prolactina, as duas estirpes manifestaram um comportamento sexual normal”, lembra a investigadora.
De seguida, as investigadoras testaram se, inibindo a libertação da prolactina teriam o efeito oposto no período refratário. Por outras palavras, procuraram avaliar se os animais, sem a prolactina, ficariam sexualmente mais ativos. Novamente, a resposta foi negativa.
“Se a prolactina fosse mesmo necessária para o período refratário, então os machos sem prolactina, após a ejaculação, deveriam recuperar mais rapidamente a capacidade sexual face ao grupo de controlo”, destaca Valente. “Mas isso não aconteceu.”
Voltar ao princípio
Em conjunto, os resultados das duas investigadoras fornecem uma forte contra – evidência à teoria que afirma que a prolactina desencadeia o período refratário masculino. Ainda assim, a prolactina desempenha, sem margem para dúvida, um papel no comportamento sexual masculino. Mas qual poderá ser esse papel?
“As possibilidades são muitas”, diz Lima. “Por exemplo, há estudos que apontam para um papel da prolactina no desenvolvimento do comportamento parental. Além disso, é importante realçar que a dinâmica da prolactina é bastante diferente em ratinhos machos e em homens. Em ratinhos, os níveis de prolactina aumentam durante o acasalamento. No entanto, nos homens, a prolactina parece ser libertada apenas na altura da ejaculação, e somente quando esta acontece. Portanto, podem existir algumas diferenças no papel que desempenha nas diferentes espécies.”
Então, porque é que os machos têm de esperar e não conseguem ficar logo “prontos para outra”?
“Os nossos resultados indicam que é muito improvável que a prolactina seja a causa”, diz Lima. “Estamos agora em melhor posição para avançar nesta linha de investigação e descobrir o que realmente está na base deste processo fisiológico”, conclui.
Fundação Champalimaud – Comunicação de Ciência
(Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva)