As instituições internacionais vão investigar possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Bucha.
O subúrbio localizado a cerca de 23 quilómetros de Kiev, voltou a estar sob o controlo ucraniano no sábado. Desde então, emergiram relatos e imagens que mostram corpos de civis que foram mortos e deixados nas ruas, em casas, ou em valas comuns, muitos de mãos atadas atrás das costas e sacos na cabeça. Há também relatos de mulheres violadas, algumas à frente dos próprios filhos.
Segundo o primeiro balanço oficial, pelo menos 410 pessoas perderam a vida durante a ocupação russa da cidade. No entanto, a procuradora-geral ucraniana já afirmou que estes assassinatos são “apenas a ponta do iceberg” e que a situação na cidade vizinha de Borodianka é ainda pior.
Os vídeos e imagens chocaram a comunidade internacional. Os líderes ocidentais não tardaram a condenar o massacre, pedindo investigações aos alegados crimes de guerra e contra a humanidade e agravando as sanções.
INVESTIGAÇÃO CONJUNTA DA UNIÃO EUROPEIA E AUTORIDADES UCRANIANAS
Já esta segunda-feira, a presidente da Comissão Europeia anunciou que a União Europeia vai lançar uma investigação em conjunto com as autoridades ucranianas aos “terríveis assassinatos” que foram descobertos durante o fim de semana.
“As imagens angustiantes não podem e não ficarão sem resposta. Os autores destes crimes hediondos não devem ficar impunes. Uma resposta global é necessária”, defende Ursula von der Leyen, num comunicado divulgado após uma chamada telefónica com o presidente ucraniano.
“A UE criou uma equipa de investigação conjunta com a Ucrânia para recolher provas e investigar crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A UE está disposta a reforçar este esforço enviando equipas de investigação para o terreno para apoiar o Ministério Público ucraniano. A Eurojust e a Europol estão prontas a ajudar”, acrescenta a nota. “A Comissão Europeia vai prestar o apoio técnico e financeiro a todas as investigações lideradas pela UE.”
INVESTIGAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
No início de março, muito antes dos relatos sobre os massacres em Bucha, o Tribunal Penal Internacional (instituição internacional que investiga crimes de guerra) já tinha anunciado a abertura de uma investigação à situação na Ucrânia. “Na análise preliminar da situação na Ucrânia, o meu Gabinete já tinha encontrado uma base razoável para acreditar que crimes dentro da jurisdição do Tribunal foram cometidos e identificado casos potenciais que seriam admissíveis”, afirmou o procurador do TPI Karim Ahmad Khan na altura.
Agora, o comunicado da Comissão Europeia desta segunda-feira revelou que está em cima da mesa a hipótese de uma investigação conjunta entre o TPI e a Eurojust (agência europeia para a cooperação judiciária).
“É necessária uma resposta global. Estão em curso conversações entre a Eurojust e o Tribunal Penal Internacional para unir forças e para que o Tribunal faça parte da Equipa Conjunta de Investigação. Essa abordagem coordenada por parte das autoridades ucranianas, da UE, dos seus Estados-Membros e agências e do Tribunal Penal Internacional permitirá que as provas sejam recolhidas, analisadas e tratadas da forma mais completa e eficaz possível.”
INVESTIGAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL RUSSA
O Kremlin já negou “categoricamente todas as acusações” relacionadas com este massacre. “Pelo que vimos, estes vídeos não são confiáveis de muitas formas, porque há sinais de manipulação nas imagens e várias falsificações reveladas pelos nossos especialistas do Ministério da Defesa”, disse o porta-voz russo, Dmitry Peskov.
Na mesma linha, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo afirmou tratar-se de um “ataque falso”. Sergei Lavrov disse que a situação em Bucha foi “encenada” e que “provocações destas são uma ameaça à segurança internacional”.
O chefe da Comissão de Investigação da Rússia também negou o ataque. “De acordo com nossas informações, para desacreditar os militares russos, o Ministério da Defesa da Ucrânia distribuiu nos media ocidentais vídeos filmados na cidade de Bucha, região de Kiev, como evidência do massacre de civis.”
Ainda assim, Alexander Bastrykin ordenou a abertura de uma investigação esta segunda-feira. O Comité de Investigação da Rússia tem um histórico de investigações politicamente orientadas, incluindo processos criminais contra o opositor Alexey Navalny. Estas investigações são vistas pelos ativistas de Direitos Humanos como formas mal disfarçadas de perseguição política.
REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA NA ONU E POSSÍVEL SUSPENSÃO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS
A Rússia convocou, entretanto, uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para esta terça-feira onde irá desmentir as acusações. Durante esta segunda-feira, tanto os EUA como o Reino Unido manifestaram-se a favor da expulsão da Rússia da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
No final de uma visita à Moldávia e Roménia, a embaixadora norte-americana nas Nações Unidas considerou que a participação russa neste órgão é “uma farsa”. “Regresso a Nova Iorque [sede da ONU] com para fazer duas coisas. Uma: vou participar no Conselho de Segurança amanhã de manhã e vou abordar as ações russas diretamente. Duas: em estreita coordenação com a Ucrânia, países europeus e outros parceiros da ONU, vamos buscar a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU”, disse Linda Thomas-Greenfield.
No mesmo sentido, a embaixadora britânica nas Nações Unidos anunciou, através de um vídeo difundido no Twitter, que o Reino Unido vai usar a sua presidência do Conselho de Segurança para “garantir que há transparência, responsabilização e que a justiça será feita”. Horas antes, a ministra dos Negócios Estrangeiros britânica tinha afirmado numa conferência de imprensa em Varsóvia que Moscovo “não tem lugar” no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. “Não vamos descansar até que estes criminosos sejam levados à justiça” no Tribunal Penal Internacional, disse Liz Truss.
Os altos cargos das Nações Unidas também já reagiram aos relatos do massacre. “Estou profundamente chocado com as imagens de civis mortos em Bucha, na Ucrânia. É essencial que uma investigação independente leve a uma responsabilização eficaz”, escreveu António Guterres no Twitter este domingo.
A mesma mensagem foi passada pela alta-comissária para os Direitos Humanos que sublinhou que estes e outros relatos “levantam questões sérias e perturbadoras sobre possíveis crimes de guerra, bem como graves violações do direito internacional humanitário e graves violações do direito internacional dos direitos humanos”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL