O aumento dos furtos no setor do retalho tem levado os comerciantes a procurar novas formas de reforçar a segurança nas lojas: contratar ladrões “profissionais”. No Reino Unido, uma abordagem pouco convencional tem chamado a atenção: o recrutamento de ex-ladrões para realizar testes e identificar falhas nos sistemas de prevenção.
A consultora Perpetuity Research, especializada em segurança no comércio, desenvolveu um serviço que coloca ex-detidos a simular furtos em lojas e, posteriormente, a apresentar relatórios detalhados sobre as vulnerabilidades detetadas.
O impacto do aumento dos furtos
De acordo com o British Retail Consortium, os furtos no setor do retalho britânico atingiram um recorde de 2,5 mil milhões de euros no último ano, representando um aumento de 21% em relação ao período anterior.
O crescimento do crime tem sido impulsionado por fatores como a inflação pós-pandemia e a expansão do mercado ilegal de mercadorias roubadas.
Além disso, uma decisão do governo britânico anterior, que limitou a fiscalização de furtos abaixo de 230 euros, contribuiu para a escalada do problema, levando agora as autoridades a rever essa política.
Como funciona o serviço de “roubo misterioso”
Martin Gill, ex-professor de criminologia e fundador da Perpetuity Research, lidera este projeto que utiliza o conhecimento de antigos criminosos para testar e reforçar os sistemas de segurança das lojas.
Segundo Gill, os ex-ladrões são capazes de fornecer informações valiosas, explicando como escolhem os alvos e quais os elementos que facilitam ou dificultam um furto.
“Eles viveram a vida a roubar”, afirma Gill. “Têm uma perspetiva que os profissionais de segurança ou os académicos não conseguem igualar.”
O processo envolve a seleção de um objetivo específico pela empresa contratante, seja um setor da loja, um produto ou uma tecnologia de segurança.
A equipa da Perpetuity testa diferentes estratégias para furtar itens, recorrendo a métodos utilizados por criminosos experientes, como forrar sacos com papel de alumínio para evitar que etiquetas de segurança ativem alarmes.
Cada operação é planeada para fornecer informações detalhadas sobre as fragilidades do sistema.
Casos reais e falhas detetadas
Num dos testes realizados, um dos ex-ladrões da Perpetuity conseguiu sair de um supermercado com cinco garrafas de uísque que não tinham sido etiquetadas corretamente.
Noutro caso, verificou-se que um dos portões de saída de uma loja, supostamente fechado, estava na realidade destrancado.
Os resultados destes testes são utilizados para melhorar os sistemas de segurança, com foco em evitar erros humanos e corrigir falhas operacionais.
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Uma das áreas mais problemáticas, segundo Gill, são os caixas de autoatendimento, que tornam os furtos mais fáceis e representam um desafio crescente para os retalhistas.
O que acontece quando os “ladrões” são apanhados?
Para garantir que os testes não resultam em complicações legais, a Perpetuity adota um protocolo claro.
Quando um dos seus ex-ladrões é intercetado, um “cartão de identificação” previamente acordado com a empresa permite esclarecer a situação e evitar que a polícia seja chamada.
No entanto, há casos em que clientes desavisados denunciam os participantes do teste, levando à intervenção das autoridades.
“Uma vez, um cliente alertou a polícia enquanto fazíamos um teste. Três agentes vieram diretamente até mim e perguntaram: ‘O que tem na bolsa?’”, recorda Gill. “Expliquei a situação e tivemos uma conversa muito boa. Felizmente, acreditaram em mim.”
Aumento dos investimentos em segurança
Os retalhistas estão a reagir à escalada dos furtos com um reforço dos orçamentos destinados à prevenção de perdas.
No Reino Unido, os gastos com medidas de segurança subiram 67% entre 2022 e 2023, atingindo 1,4 mil milhões de euros, segundo o British Retail Consortium.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa revelou que dois terços dos retalhistas aumentaram os investimentos em formação de funcionários para a prevenção de furtos.
Apesar da eficácia dos testes conduzidos pela Perpetuity, Gill recusa-se a divulgar os nomes dos clientes ou os valores cobrados pelos serviços.
No entanto, garante que cada caso é tratado de forma personalizada, com estratégias específicas para cada empresa.
Conclusão
A utilização de ex-ladrões para identificar falhas de segurança pode ser um método pouco convencional, mas, face ao aumento dos furtos, está a tornar-se uma ferramenta valiosa para os retalhistas.
Enquanto os roubos continuam a causar prejuízos milionários, a inovação na segurança do setor do retalho revela-se essencial para enfrentar este desafio crescente.
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