Portugal tem das leis de proteção e bem-estar animal mais progressivas da Europa, em teoria. Na prática, muitas dessas leis não são aplicadas a nível local ou criam situações de conflito. Este é o caso de um conjunto de leis que entrou em vigor em 2016 que além de banir a eutanásia como forma de controlo populacional de animais errantes, também estipulou que abrigos ou canis não poderiam estar inseridos em contextos urbanos. Ou seja, não podem existir canis dentro de cidades.
No papel faz sentido que um canil não seja colocado em zonas que muitas pessoas habitem, o problema está no fato de que essa lei praticamente choca com outras de planeamento territorial, que servem para proteger a integridade do solo ou dos ecossistemas que o rodeiam.
Em Portugal existem terrenos considerados de Reserva Nacional Agrícola ou Ecológica (RAN/REN), e a aprovação do uso das mesmas está à tutela do governo central. Existem ainda terrenos de interesse predominantemente agrícola, da responsabilidade dos poderes locais.
O problema começa quando se tenta encontrar um local que não seja RAN, REN ou de interesse predominantemente agrícola, e que seja fora de um contexto urbano, mas perto o suficiente para poder exercer o seu papel. Os abrigos de animais têm uma escolha extremamente limitada na sua capacidade de operar dentro da lei. Escolha essa que é desproporcional à urgência e indispensabilidade do trabalho que fazem.
Desde Novembro apenas, três abrigos se encontraram ameaçados no Algarve por questões relacionadas com a sua localização: a ADOTA em Tavira, Benafim Dogs em Benafim, e a Animal Rescue Algarve (ARA) na zona da Cabanita em Loulé.
Dos três, apenas um continua o seu trabalho (ARA) enquanto disputa uma ordem de demolição por parte da Camara Municipal de Loulé, precisamente por se encontrar em terreno de interesse predominantemente agrícola, podendo assim ser licenciado através da revisão do Plano Diretor Municipal.
O Animal Rescue Algarve é um exemplo de um projeto privado que substitui completamente o estado no seu trabalho, e a custo zero para o contribuinte. Para além de contar com mais de 600 animais resgatados, a caridade emprega, direta ou indiretamente, mais de 40 pessoas, e já contribuiu com mais de dois milhões de euros para a economia apenas no desenvolvimento da infraestrutura, aos quais acrescem os cerca de 300.000 euros de custos de manutenção anuais. A caridade foi também a primeira em Portugal a ser distinguida pela plataforma de voluntariado ‘Workaway’, com base nos mais de 400 voluntários que já visitaram a ARA, o que tem um impacto direto no turismo e desenvolvimento regional.
Visto que a nível nacional existe uma gigante discrepância entre o que as leis ditam e o que é implementado no terreno a nível nacional, Viriato Villas-Boas inquiriu acerca da existência de algum mecanismo europeu que pudesse intervir em situações como as acima referidas. Infelizmente, segundo o eurodeputado Francisco Guerreiro, não existem ferramentas a nível europeu para este fim, e que apenas em 2023 começará a ser desenvolvida uma Estratégia para o Bem-estar Animal.
Guerreiro reconhece que o trabalho da ARA e “de milhares de cidadãos é valorativo” e que os considera “verdadeiros heróis” que “têm substituído as entidades nacionais e locais”. Observando a falta de lógica de o dinheiro que deveria estar a ser gasto em animais, estar a ser utilizado por estas entidades em procedimentos legais.
O eurodeputado recomendou que a pressão fosse mantida sobre as entidades locais, e que a nível nacional a atenção deveria ser concentrada em alterações às leis existentes, de modo a existirem exceções nestes casos pontuais. Deve ser aplicada também pressão junto às entidades políticas para que o tema não seja esquecido, especialmente num período tão complicado, em que os esforços estão concentrados na pandemia, pois são temas “paralelos e interligados”.
O membro do Parlamento Europeu concluiu por se disponibilizar a aprender mais sobre o caso da ARA, agradecendo o trabalho desenvolvido pela associação.
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