António de Oliveira Salazar foi selecionado para assumir o cargo da Pasta das Finanças portuguesa após o golpe militar de 1926, começando a exercer funções em 1928. Já em 1932 é nomeado Presidente do Concelho de Ministro e um ano depois faz aprovar a nova Constituição, da qual nascia o Estado Novo, que lhe conferia poderes ditatoriais.
A censura prévia assumia-se assim como um mecanismo eficiente para conseguir manter a ditadura de Salazar sem alterações estruturais durante mais de quatro décadas. O “lápis azul” constituía-se como símbolo principal da censura, pois os censores do Estado Novo usavam um lápis de cor azul nos cortes de qualquer texto, imagem, desenho ou letra de musica a publicar na imprensa. A censura tinha uma área de atuação cada vez mais alargada- abarcava, praticamente, todas as formas de manifestação intelectual de domínio público, nos diferentes meios de comunicação social.
Aos jornais e revistas, juntavam-se a rádio e a televisão, que eram igualmente “perseguidas” pelos ideais de censura e propaganda do Estado Novo. Os media continuavam deste modo a assegurar a sua importância e influência para a difusão dos ideais instaurados por Salazar, como os valores de “Deus, Pátria e Família”, que chegavam ao povo através de cartazes de propaganda, livros primários – como “A Lição de Salazar” – ou até pelas emissões de rádio e televisão que passavam os discursos do líder ditatorial em pleno horário nobre, onde as famílias se reuniam e apreendiam as mensagens.
O objetivo da censura era criar a imagem fictícia de um país com boas condições financeiras, trabalho, bons recursos médicos/hospitalares, sem mortalidade infantil e com um serviço de ensino de qualidade. Nesse país imaginário, resultava a ocultação sistemática da realidade que não interessava ao regime, por lhe ser desfavorável- tarefa incumbida quase na totalidade aos meios de comunicação social, que esbatiam todas as notícias, acontecimentos, ideias críticas e manifestações de liberdade de expressão.
O condicionalismo dos jornais, rádio e televisão, que por sua vez já havia chegado a todas as outras fontes de comunicação (teatro, cinema, música) ocultava dos microfones a liberdade de expressão e tornava a imagem da censura num exemplo a seguir. Com a queda de António de Oliveira Salazar de uma cadeira – que o deixou incapacitado -, Marcelo Caetano assumiu o poder de Portugal em 1968, prometendo mudanças.
A sua nomeação abriu grandes expectativas no que toca ao fim da censura e instauração da liberdade de imprensa, ficando este período conhecido como Primavera Marcelista, por se tratar de uma altura de (suposta) renovação no panorama do país. Contudo, o cenário português pouco se alterou e a censura continuava a “assombrar” a população e os meios de comunicação social.
É certo que a palavra “censura” foi desde cedo proibida e substituída por “exame prévio”. Logo no início do seu mandato, Marcelo Caetano comete uma antítese ao prometer mais liberdade na imprensa e logo em seguida impedir o uso do termo “censura”. O “exame prévio” nada mais era do que os valores repressivos deixados por Salazar.
Apesar de 1974 a rádio ainda se encontrar em difusão, a verdade é que foi um meio crucial para o êxito do 25 de Abril e implantação da liberdade em Portugal. Com a televisão a ser uma novidade para muitos portugueses – e um bem de elevado valor, que só era possuído por famílias de bens ou estabelecimentos públicos (cafés e restaurantes) – a companhia da rádio constituía ainda a preferência de entretenimento dos espectadores, que por lá ouviam as musicas, programas de entretimento e as noticias.
Foi no dia 24 de abril, pouco depois das 23 horas, que passava na rádio a música “E Depois do Adeus”, da autoria de Paulo de Carvalho. A canção serviu de senha para o avanço das tropas portuguesas à rua e início da Revolução dos Cravos. A letra da música passava ao lado das forças de censura e, portanto, não levantaria suspeitas. A canção de José Afonso – “Grândola, Vila Morena” – iniciou o golpe de estado, já a 25 de Abril de 1974. A letra da música estava censurada pelo regime e proibida de passar nas rádios por fazer alusão ao comunismo. Os militares portugueses assumiram depois o controlo da Rádio Clube Português e transformaram a emissora no posto de comando da revolução, difundindo os ideais de liberdade por toda a população que sintonizava a antena. A rádio foi desta forma utilizada como meio de difusão da informação e, pela primeira vez, apoderava-se de conceitos como liberdade de expressão.
Depois da revolução de abril as rádios de todo o país passaram a ser livres. A ditadura de cerca de 40 anos de Salazar e Marcelo Caetano era agora passado e em tom de comemoração as emissoras transmitiam constantemente a música “Grândola, Vila Morena”.
Depois do 25 de Abril, verificou-se um “boom” da rádio e televisão, condicionado pelo nascimento da liberdade de expressão e opinião e aumento das forças partidárias, que utilizam cada vez mais estes meios para promover as suas campanhas eleitorais. O pós-revolução permitiu o aparecimento e difusão de novos partidos através do “direito de antena”.
Atualmente, estamos perante uma nova revolução nos meios de comunicação, causada pela pandemia do novo coronavírus. Jornais, rádios, televisão, cinema e internet tiveram novamente de se reinventar para conseguirem acompanhar as medidas de contenção do Governo. Ainda que este ano não possamos sair à rua com um cravo vermelho na mão, podemos afirmar que também o 25 de Abril de 2021, será para sempre, o ano em que usamos a nossa liberdade para ficar em casa e ser heróis.
– Artigo da autoria de Filipe Vilhena, publicado no POSTAL em 2020