A chegada a Kiev dos principais responsáveis da União Europeia, Ursula von der Leyen e Josep Borrell, presidentes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, respetivamente, ficou, esta sexta-feira, ensombrada por um ataque contra civis, no leste da Ucrânia. Incentivados pelas autoridades regionais a deixarem a região, centenas de pessoas foram alvejadas por um míssil, enquanto esperavam para subir a um comboio que os levasse para lugar seguro.
O QUE ACONTECEU?
Um ataque com um míssil atingiu uma estação ferroviária da cidade de Kramatorsk, no leste da Ucrânia, onde milhares de ucranianos aguardavam para serem transportadas para zonas mais seguras.
O último balanço dá conta de pelo menos 50 mortos e 98 feridos. Os civis tinham sido incentivados pelas autoridades regionais a abandonarem a cidade, na mira das forças russas, para escaparem ilesos aos combates.
Imagens captadas no local pouco após o ataque mostram cadáveres espalhados na plataforma, entre malas de viagem e também alguns peluches. Entre as vítimas mortais, há pelo menos cinco crianças.
Destroços de um grande míssil, encontrado perto da estação, tinha inscrito em russo a frase “pelos nossos filhos”. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que este ataque revelou “um mal sem limites”.
QUEM REALIZOU O ATAQUE?
Pavlo Kyrylenko, governador da região de Donets, onde fica Kramatorsk, disse tratar-se de um ataque deliberado das forças russas. “Eles quiseram semear pânico e medo”, afirmou. “Quiseram atingir o maior número possível de civis.”
A Rússia reagiu através do seu Ministério da Defesa que, num comunicado, referiu-se às acusações feitas por “representantes do regime nacionalista de Kiev” como “uma provocação”, que não corresponde à verdade.
Moscovo contra-ataca a narrativa ucraniana com dois argumentos. Por um lado, “as forças armadas russas não tinham qualquer missão de ataque planeada para 8 de abril, na cidade de Kramatorsk”, acrescentou o ministério.
Por outro, “sublinhamos que os mísseis táticos Tochka-U, cujos restos foram encontrados nas proximidades da estação de Kramatorsk e [cujas imagens] foram divulgadas como testemunhas, são usados apenas pelas forças armadas ucranianas”.
QUE TIPO DE ARMAMENTO FOI USADO?
Um projétil identificado nas imediações da estação ferroviária alvejada aponta para um míssil Tochka-U, que os russos dizem já não usar. Segundo o governador de Donets, o foguete transportava munições de fragmentação, que, quando acionadas, pulverizam bombas mais pequenas sobre uma área mais ampla.
“Se, no início, eles visavam exclusivamente trilhos ferroviários, agora não foram apenas trilhos, também dispararam um míssil com munições de fragmentação destinadas a pessoas. Isso é uma confirmação absoluta de que [este ataque] foi planejado contra civis”, disse Pavlo Kyrylenko.
Este tipo de armamento visa provocar um grande número de vítimas na zona onde rebenta. O seu uso está proibido pela Convenção sobre Munições de Dispersão (2008) — que a Federação Russa não assinou — e pode equivaler a crimes de guerra.
A 11 de março, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse ter recebido “relatos credíveis” relativos ao uso deste tipo de armas em zonas ucranianas habitadas, por parte das forças russas.
QUE IMPORTÂNCIA TEM KRAMATORSK?
Esta cidade fica na região de Donets que, juntamente com a de Luhansk, compõem o território de Donbas (fronteiro à Rússia), que acolhe populações ucranianas de língua russa e grupos separatistas armados que se têm batido pela secessão.
A 21 de fevereiro, três dias antes da Rússia invadir a Ucrânia, Moscovo reconheceu a independência das repúblicas separatistas de Donets e Luhansk, naquilo que, hoje, pode ser interpretado como o tipo de partida para a invasão russa do país vizinho.
Mais de um mês após o início dessa “operação militar especial”, na terminologia de Moscovo, e após enfrentar uma grande resistência em torno de Kiev, a capital (norte), a Rússia mudou o foco das suas ações militares para o leste e o sul da Ucrânia.
“Bombardeamentos pesados já começaram a devastar cidades da região e as autoridades imploraram aos civis que fugissem. Mas a intensidade dos combates impede as transferências [de populações]”, escreve esta sexta-feira, o jornal “The Moscow Times”, uma publicação independente em língua inglesa que este ano foi obrigada a mudar-se de Moscovo para Amesterdão, nos Países Baixos.
“Não é segredo. A batalha por Donbas será decisiva. Aquilo que já estamos a viver, todo este horror, pode multiplicar-se”, alertou o governador da região de Luhansk, Sergiy Gaiday, não perdendo a ocasião para se dirigir às populações locais. “Vão-se embora! Os próximos dias são as últimas oportunidades.”
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL