Depois de partidos como o PSD e a Iniciativa Liberal terem reagido à notícia do Expresso de que os refugiados ucranianos são recebidos por russos na câmara de Setúbal, a quem fornecem dados pessoais e cópias de documentos, o Governo pediu esclarecimentos “urgentes” ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM). A secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Sara Guerreiro, “solicitou, com caráter de urgência, à alta-comissária do Alto Comissariado para as Migrações todas as informações e esclarecimentos sobre a notícia de hoje do semanário Expresso”, informou o Governo em comunicado ao fim da manhã desta sexta-feira.
Há anos que o ACM tem sido criticado por associações de emigrantes ucranianos, porque o colégio eleitoral dos ucranianos para eleger o representante do Conselho das Migrações era dominado por associações lideradas por russos ou ucranianos vistos como tende tendências pró-russas, como o Expresso noticiou há duas semanas.
A secretária de Estado “pediu também esclarecimentos aos parceiros locais do ACM, como a Rede de Centros Locais de apoio à Integração de migrantes (CLAIM ), e associações locais”. A Secretaria de Estado das Migrações está sob tutela de Ana Catarina Mendes, a ministra dos Assuntos Parlamentares, eleita pelo círculo de Setúbal, em cujas estruturas do PS foi dirigente muitos anos.
O Expresso noticiou esta sexta-feira que a autarquia da CDU, liderada por André Martins, do partido Os Verdes, abriu um gabinete de apoio aos refugiados, com uma linha telefónica dedicada, onde trabalha uma funcionária russa com nacionalidade portuguesa (contratada em dezembro), casada com um líder da comunidade russa em Portugal, Igor Khashin.
Igor Khashin é antigo presidente da Casa da Rússia, ex-líder do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos e também do Conselho Regional dos Compatriotas na Europa. Tem dupla nacionalidade e apresenta-se como “gestor de projetos”. Foi sempre próximo da Embaixada da Rússia — de onde o Governo expulsou agora 10 funcionários, por “atividades contrárias à segurança nacional” —, em cujos eventos foi participando ao longo de anos, apesar de esses registos terem sido apagados do site da chancelaria nas vésperas da invasão da Ucrânia. O Expresso viu print screens de páginas com eventos como a organização de um congresso de compatriotas em Lisboa, em 2014, a ida a uma iniciativa similar em Moscovo e as referências a si e às suas associações em sites da Ruskyi Mir e da Rossotrudnichestvo (que também foram apagadas), organizações oficiais russas com ligações ao Kremlin.
Os emigrantes ucranianos com quem o Expresso falou relataram que lhe foram feitas perguntas sobre onde ficaram os familiares que deixaram na Ucrânia, nomeadamente os maridos das refugiadas em idade militar.
GOVERNO ESTAVA AVISADO
Parte da comunidade ucraniana tem-se queixado ao longo dos anos e um domínio de russos e pró-russos em organizações de imigrantes, e até na receção de parte dos cerca de 30 mil refugiados que já foram acolhidos. Este conflito é anterior a 2014 (quando a Rússia anexou a Crimeia), e desde então que algumas associações de ucranianos e a própria embaixada têm protestado por o colégio eleitoral que escolhe o representante da comunidade no Conselho para as Migrações do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) “ser composto por uma maioria de associações russas ou pró-russas, patrocinadas por instituições do Kremlin ou pela embaixada Russa”. Fonte da embaixada disse ao Expresso há duas semanas que “o Governo e a ACM já prometeram regularizar este assunto o mais rápido possível”.
Depois da tomada de posse, a nova secretária de Estado para as Migrações, Sara Guerreiro, esteve em contacto com a embaixada da Ucrânia e garantiu tentar resolver o problema, segundo disse ao Expresso Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP). No entanto, numa resposta genérica ao Expresso quando o jornal publicou esta notícia, o Governo não respondeu às questões concretas sobre as críticas da embaixada.
O gabinete da secretária de Estado disse apenas que Governo e ACM “têm estado em diálogo e estreita articulação com a Embaixada da Ucrânia no apoio humanitário aos refugiados”. E que as eleições para o representante da comunidade “têm por base os candidatos apresentados pelas associações reconhecidas e pertencentes ao colégio eleitoral, que podem apresentar o seu candidato”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL