Aproxima-se o Natal é tempo de celebrar o Amor… Existe apenas um tipo de amor ou vários? Será́ que os sentimentos que denominamos amor o são, de facto?
Camões, o maior poeta Luso, escreveu: Amor é um fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói, e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer. As contradições da primeira estrofe, continuam durante todo o poema transformando-o num elogio ao oximoro. Fazem estas contradições sentido, ou serão apenas justaposições absurdas? Haverá alguém que no auge da paixão se não identifique com este poema?
Não são apenas as contradições lógicas que saltam à vista, mais preocupante é o facto de o ser humano perseguir, em prol do amor, tais experiências: o ardor do fogo; uma ferida que, naturalmente, dói; uma dor que desatina, etc. Será o masoquismo constituidor da humanidade? Nas cartas da freira portuguesa Mariana Alcoforado, dirigidas ao seu infiel sedutor, podemos ler o seguinte: “Agradeço-vos do fundo do coração o desespero que me causais, e detesto a tranquilidade em que vivia antes de vos conhecer”.
Em nome do amor se realizaram as mais nobres façanhas e as mais detestáveis batalhas. Pelo amor se destruíram reinos, sendo a guerra de Tróia o nosso clássico exemplo. A uma escala quotidiana, quantos lares se destroem cada dia em prol de uma paixão? Por que estranho motivo a buscamos? Sobretudo quando sabemos que é um estado que não se mantém: quando se atinge o auge da paixão esta só pode começar a diminuir. Não há nada mais próprio do desejo que fenecer ao satisfazer-se.
Diz-se da paixão que é irresistível. Será assim realmente? Será a paixão uma droga que coloca o indivíduo à sua mercê, perdendo o seu livre arbítrio? Por esse motivo tudo se justifica?
Por esta razão tudo se desculpa? Diz-se do amor que é cego. Será assim realmente? Um sentimento que priva o ser humano de um dos seus sentidos fundamentais? Se o amor for, de facto, cego e a paixão irresistível, por que razão corremos atrás deles?
O filósofo espanhol Ortega y Gasset no seu livro Estudos sobre o Amor diz-nos que este tipo de amor, a paixão assolapada, não provoca, de facto um enriquecimento da nossa vida mental. “Muito pelo contrário as coisas que antes nos ocupavam são progressivamente eliminadas. A consciência restringe-se e é ocupada apenas por um objecto. A atenção fica paralizada: não avança de uma coisa para a outra. Está fixa, rígida, prisioneira de um só ser. O apaixonado tem, no entanto, a impressão de que a sua vida consciente é mais rica. O seu mundo reduzido é mais concentrado. Todas as suas forças psíquicas convergem e actuam num único ponto, e isto dá à sua existência uma falsa aparência de superlativa intensidade. Para o apaixonado a amada possui uma presença ubíqua e constante. dir-se-ia que todo o mundo se comprimiu. Em rigor o mundo não existe para o amante. A amada desalojou-o e substituiu-o”.
Segundo Ortega, é a extrema contracção do mundo psíquico que o enamoramento induz que provoca, pelo seu fácil preenchimento (um só objecto: o ser amado), a euforia que tão bem conhecemos. Euforia que vicia fazendo o apaixonado correr de amante em amante, buscando uma droga cada vez mais forte que colmate o seu desespero. Esta correria louca parte muitos corações pelo caminho e despedaça o coração do próprio. Valerá a pena?
Não seria benéfico aprender a distinguir o amor com “A” maiúsculo, do desejo e da paixão? Como identificá-los? Que sintomas provocam? Como não se deixar escravizar por um sentimento que pode destruir várias vidas e lares? É que como dizia Pascal, filósofo francês, “o amor tem razões que a razão desconhece”, mas apesar de tudo razões. Exige de nós algo mais que o simples abandono a uma sensação que arrebata. E se pensássemos um bocadinhos sobre este assunto?
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