Rússia e China, dois membros permanente do Conselho de Segurança da ONU, vão ser, pela primeira vez na história do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, alvos de projetos de resolução.
Os países ocidentais e respetivos aliados estavam há vários meses relutantes em acusar a Rússia e a China, temendo que não fossem capazes de construir uma aliança suficientemente forte para ter os textos aprovados pela maioria dos 47 estados membros do Conselho de Direitos Humanos.
Mas as organizações não-governamentais (ONG) têm vindo a aumentar a pressão para que o principal órgão de luta pelos direitos humanos da ONU se interesse pela situação na Rússia e na região de Xinjiang, no noroeste da China, onde Pequim é acusada de crimes contra a humanidade.
Os países ocidentais acabaram por conseguir as acusações, que terão duas fases.
Na semana passada, os países membros da União Europeia (UE), exceto a Hungria, apresentaram um projeto de resolução pedindo ao Conselho a nomeação de um relator especial para monitorar a situação dos direitos humanos na Rússia pelo período de um ano, iniciativa que Moscovo considerou como “politicamente tendenciosa”.
A medida ocorre no meio das preocupações ligadas à intensificação da repressão na Rússia, à medida que a guerra continua na vizinha Ucrânia.
Esta segunda-feira, foram os Estados Unidos, apoiados pelo Reino Unido, Canadá, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, que lançaram um projeto de resolução para solicitar um debate no Conselho, a realizar em fevereiro e março de 2023, sobre os direitos humanos situação em Xinjiang.
Outros países, no entanto, poderão copatrocinar o texto nos próximos dias.
Nas discussões gerais, o embaixador checo no Conselho de Direitos Humanos, Vaclav Balek, falando em nome da UE, enfatizou que os 27 pediram ao órgão na ONU que fiscalize e avalie de perto a situação dos direitos humanos na China.
O texto, muito breve, toma nota “do interesse na avaliação” publicada a 31 de agosto pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Região Autónoma Uigur de Xinjiang.
“Este Conselho deve ser capaz de discutir o relatório e o respetivo seguimento deve ser igual às conclusões”, disse hoje o embaixador francês na comissão, Jérôme Bonnafont.
Há vários anos que a China foi acusada – com provas físicas e documentais – por países ocidentais e organizações de direitos humanos de ter trancado em Xinjiang mais de um milhão de uigures e outros membros de minorias muçulmanas, incluindo cazaques, em campos de detenção.
Pequim rejeita as acusações, alegando combater o terrorismo e garantir o desenvolvimento da região.
No relatório, o alto-comissário Bonnafont não fala de genocídio, mas evoca possíveis “crimes contra a humanidade” e “provas credíveis” de tortura e violência sexual, instando a comunidade internacional a agir.
Pequim rejeitou veementemente as acusações e acusou a ONU de se tornar “serva e cúmplice dos Estados Unidos e do Ocidente”.
Nas últimas semanas, nos bastidores em Genebra, a China exerceu pressão significativa sobre os países para tentar evitar qualquer iniciativa contra Pequim.
“Não temos medo”, disse na semana passada o diretor do Gabinete de Comunicação de Xinjiang, Xu Guixian.
“Estamos prontos para lutar”, assegurou Guixian à imprensa em Genebra, garantindo que achina irá tomar “contramedidas apropriadas”.
As duas resoluções serão submetidas à votação dos 47 Estados membros do Conselho a 6 ou 7 de outubro.
No entanto, as sondagens nesse sentido não permitem um resultado claro para ambos os lados.
Sem surpresa, durante os debates de hoje, em Genebra, Rússia e China receberam apoio de países como Cuba e Venezuela, que se opõem firmemente a qualquer interferência do Conselho.
Outros países, como o Paquistão, de maioria muçulmana, também argumentaram que a questão de Xinjiang continua a ser uma questão de “assuntos internos” da Rússia.
Quanto aos países africanos membros do Conselho, que os Estados ocidentais regularmente conseguem convencer, têm primado pelo silêncio. Apenas o representante do Malawi, Mathews Gamadzi, falou lamentando que o Conselho esteja “paralisado pela politização”.